Cannabis medicinal: O presente e o futuro de uma ciência fascinante

“Estudos apontam os benefícios da cannabis para tratar determinadas doenças, como nos sintomas não-motores da doença de Parkinson (depressão, ansiedade, transtornos do sono e outros), nas dores e espasmos provocados pela esclerose múltipla, no controle das crises epiléticas e outras condições”

Dr. Flavio Rezende*

O uso medicinal da cannabis é conhecido em diversas culturas há mais de 5 mil anos, nos remetendo à era que precede a palavra escrita. Sabemos que a cannabis percorreu toda a Rota da Seda que interligava comercialmente o Oriente e a Europa, sendo levada ao ocidente pelo médico escocês Willian O’Shaughnessy enquanto participava das missões britânicas nas Índias.

Como pesquisador e professor da Universidade de Calcutá (Índia), Willian O’Shaughnessy foi um dos cientistas pioneiros na pesquisa de terapias com a cannabis em pacientes com cólera, reumatismo, raiva, tétano, epilepsias e doenças inflamatórias, estudando os benefícios da substância no alívio de dores e redução de espasmos musculares.

O uso da cannabis medicinal ganhou destaque na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos, entre os anos de 1840 e 1940. Médicos ingleses indicavam o uso da cannabis como estimulante do apetite,

analgésico, relaxante muscular, anticonvulsivante e hipnótico.

No entanto, devido a questões ideológicas e políticas, assim como a falta de controle de qualidade e de conhecimentos básicos da farmacologia e da química da planta, a cannabis passou por um período de obscurantismo no século passado, sendo proibida em muitos países, principalmente pelo crescimento do seu uso recreativo.

Apesar do cenário desfavorável, cientistas continuaram a estudar o uso da cannabis medicinal como terapia adjuvante no tratamento doenças neurológicas, psiquiátricas, degenerativas e inflamatórias.

Conhecido como o “pai da cannabis moderna”, o pesquisador Raphael Mechoulam, em parceria com a Universidade Hebraica de Jerusalém, conseguiu isolar 60% da substância ativa da cannabis com métodos laboratoriais, sintetizando pela primeira vez o THC (tetrahidrocanabinol) e, posteriormente, o canabidiol, compostos da planta. Seu estudo publicado na revista Science, em 1970, aborda de maneira inédita a biogênese dos canabinóides.

A descoberta e a elucidação do sistema endocanabinoide permitiu a realização de uma ampla gama de estudos pré-clínicos, propiciando a condução dos primeiros ensaios clínicos na área. Em 1980, Raphael Mechoulam e o professor brasileiro Elisaldo Carlini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicaram juntos o primeiro estudo com humanos sobre o uso da cannabis medicinal em pacientes com epilepsia farmacorresistente, demonstrando os benefícios da substância no controle das crises epiléticas.

Passado mais de um século após os primeiros trabalhos da Medicina Moderna com a cannabis medicinal, sabemos que a planta possui mais de 480 substâncias químicas. Cerca de 150 destes compostos são denominados fitocanabinóides, sendo que os mais conhecidos e estudados são o THC (Tetrahidrocanabinol), o CBD (Canabidiol) e o CBG (Canabigerol).

A ciência já descobriu que os fitocanabinóides se ligam a receptores específicos do corpo humano. Esse sistema complexo é responsável por uma série de funções fisiológicas, incluindo a memória, o humor, o controle motor, o comportamento alimentar, o sono, a imunidade e a dor. Com isso, estudos apontam os benefícios do tratamento para determinadas doenças, como nos sintomas não-motores da doença de Parkinson (depressão, ansiedade, transtornos do sono e outros), nas dores e espasmos provocados pela esclerose múltipla, no controle das crises epiléticas e outras condições.  Esses benefícios vêm contribuindo de forma significativa para a qualidade de vida dos pacientes.

O avanço do conhecimento científico sobre a cannabis medicinal e o desenvolvimento da indústria farmacêutica especializada mostram que estamos diante de um novo cenário em que a substância pode ser classificada como uma nova área terapêutica disponível para apoiar diferentes especialidades médicas. Os fitofármacos à base da cannabis são desenvolvidos por meio de rigorosos controles de qualidade com 99% de grau de pureza e indicações definidas que podem responder as necessidades dos pacientes ainda não atendidas.

 

*Prof. Dr. Flávio Henrique de Rezende Costa é mestre e doutor em Neurologia, professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Health Meds.

 

Related posts

Convergência Regulatória entre Portugal e Brasil para impulsionar a indústria farmacêutica brasileira no cenário global

Dengue: 10 Mitos e Verdades sobre a doença

Julho Verde Escuro traz o alerta para os tipos de câncer ginecológico e formas de prevenção