Mark Britnell afirma que não há profissionais suficientes para garantir o futuro da saúde no mundo

O chefe global de saúde, governo e infraestrutura da KPMG International abre o segundo dia do Conahp 2020 abordando a Crise Global da Força de Trabalho no setor

Sob a alegação de que não há profissionais de saúde suficientes no mundo, o especialista britânico Mark Britnell, chefe global de saúde, governo e infraestrutura da KPMG International, iniciou sua palestra ressaltando que, com a pandemia, todos os países perceberam que deveriam ter mais profissionais da saúde. Essa afirmação engloba pontos de vista ético, moral e financeiro. “Se houvesse mais profissionais, os países teriam saído da pandemia com mais facilidade”, afirma.

Segundo o especialista, até o ano de 2030, faltará mais de 18 milhões de profissionais no setor da saúde, o que representa 20% do total dos trabalhadores no mundo. “Estamos falando de 20% da capacidade total da força de trabalho. Por isso, temos um futuro desafiador no setor da saúde: muito trabalho e poucos profissionais. Além disso, como vimos na pandemia, problemas como o acesso desigual à atenção primária e o aumento da lista de espera só tendem a piorar com a falta de profissionais”, ressalta Britnell.

Durante a palestra, foi apresentada projeção em âmbito mundial sobre a força de trabalho na saúde para os próximos anos. No Reino Unido, por exemplo, temos 10% de escassez de equipes de saúde atualmente, o que representa 100 mil vagas para enfermeiros e médicos. Até nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo, haverá uma escassez de um milhão de enfermeiros e 120 mil médicos até o ano de 2030.

Diante desse cenário, Britnell sugere uma mudança no comportamento e na prática da saúde. “Não vamos atingir essa meta de 18 milhões de profissionais em saúde adicionais até 2030. Ou seja, a força atual de trabalho vai ter que se tornar mais produtiva. As equipes vão ter que fazer mais com o mesmo número de pessoas. Não é uma questão de eficiência, mas de produtividade”.

As alternativas para minimizar essa situação são fundamentadas na prática dos sistemas de saúde que existem ao redor do mundo, apesar de demonstrarem exemplos isolados de inovação. No entanto, há muito espaço para melhorias. “O planejamento da força de trabalho é algo que vem acontecendo lentamente, de maneira estática e regressiva. Num mundo que está em constante transformação, a escassez é um problema complexo, que requer todos os agentes da sociedade mobilizados para resolver a questão”.

No entanto, há uma forte correlação entre a riqueza e a produtividade dos países. “A produtividade aumenta o PIB e, portanto, a área de saúde hoje tem uma oportunidade como a segunda maior indústria do planeta e o maior empregadora do mundo. Sabemos que saúde é riqueza. Os sistemas precisam se planejar para que tenham mais produtividade e, assim, gerar mais riqueza”, afirma.

Ao comparar o crescimento da produtividade do setor de saúde com outras áreas como tecnologia e comércio, que apresentaram trilhões de dólares em desenvolvimento, Britnell indica um tímido índice de 0,9%. “Precisamos de menos regulações e menos burocracias”, ressalta. O investimento em capacitação, com oferta de mais cursos de enfermagem e medicina que estimulem a demanda e os esforços para estabelecer um planejamento para a produtividade, é um ponto que deve ser considerado na busca de saídas para esta crise, segundo ele.

Dados mundiais de seus estudos apontam que 76% dos médicos e 79% dos profissionais de enfermagem cumprem tarefas para as quais estão super qualificados, o que tem resultado em crises de burnout e estresse, diminuindo ainda mais um contingente já escasso. Britnell afirma que 36% dos serviços executados por esses profissionais poderia ser automatizado.

Brasil

Analisando a realidade brasileira, principalmente diante da pandemia de Covid-19, o executivo britânico reconhece pontos positivos do Sistema Único de Saúde (SUS), mas indica que menos de 30% dos profissionais apresentam uma avaliação pessoal positiva em relação ao trabalho. O equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal e a falta de tempo para se envolverem mais profundamente com os pacientes são as principais reclamações dos profissionais brasileiros.

Salários compensativos, programas de atração e retenção de profissionais, capacitação para novas tecnologias e investimento em formação de lideranças são apontados por Britnell como o caminho que o país deve seguir. No Brasil, os hospitais privados possuem serviços de classe mundial, mas algumas coisas precisam de esforço compartilhado entre o setor público e o privado, como treinamento e capacitação. “O mundo acha que o setor de saúde está passando por uma grave crise no país. Portanto, há muitas coisas que precisam ser reconstruídas para enfrentar a pandemia”.

Em relação à telemedicina, Britnell explica que o cenário brasileiro é irônico. “Não há políticas nacionais pelas quais os médicos podem praticar a telemedicina de forma regulamentada, sem medo de perder o registro. Estamos vivendo no século XXI e vimos como a assistência primária tem evoluído durante a pandemia com as consultas virtuais, que são mais produtivas e têm, alta aceitação pelos pacientes, mesmo entre os idosos.