Ramon Andrade de Mello*
As vacinas se tornaram referência mundial com o advento da pandemia da Covid-19. Porém, um imunizante produzido em tão pouco tempo levantou dúvidas sobre sua eficácia. O que a maioria das pessoas não sabia é que, há anos, os cientistas vêm pesquisando uma nova abordagem para o tratamento de câncer com o RNA mensageiro (mRNA), que implica em tratamento individualizado. Graças ao desenvolvimento dessa técnica foi possível chegar numa resposta célere contra o novo coronavírus.
Ao longo dos séculos, o uso de vacinas tem provocado polêmicas ao redor do mundo, resultado do desconhecimento da importância e do alto grau de segurança que esses imunizantes oferecem. Um dos casos mais conhecidos ocorreu no início do século XX. O jovem sanitarista Oswaldo Cruz assumiu a empreitada de salvar a cidade do Rio de Janeiro da varíola, promovendo uma vacinação obrigatória. A atitude do médico provocou uma das mais ruidosas revoltas da República.
A introdução de substâncias biológicas no organismo, com o propósito de ativar o sistema imunológico, tem registro de uso já no Século X pelos chineses. Já o francês Louis Pasteur (1822-1895) ocupa lugar de destaque na história pela criação da vacina contra a raiva. Desde esses tempos, as vacinas têm se tornado referência para a prevenção de muitas doenças e são raríssimos os casos de contraindicação.
As pesquisas recentes utilizando o RNA mensageiro nas vacinas contra a Covid-19 são resultados de estudos que vêm ocorrendo há muitos anos na busca de um imunizante para tratar o câncer. Um dos propósitos desse método é ajudar o sistema imunológico a combater as células tumorais do organismo. Para produzir o imunizante, é preciso realizar uma biópsia do tumor do paciente e fazer o sequenciamento do genoma. Em seguida, os cientistas desenvolvem uma molécula de RNA para codificar as proteínas que respondem pelas mutações das células normais, que posteriormente se tornam cancerosas. Ou seja, o papel dessa modificação é fazer com que o organismo aprenda a reconhecer uma determinada proteína nas células cancerosas.
As vacinas oncológicas já vêm sendo aplicadas com sucesso no tratamento de vários tipos de câncer como os de pele, de próstata e de mama. As respostas animadoras também vêm de outras frentes, como a produção de imunizantes a partir de células adjuvantes, que estimulam a resposta imunológica. Hoje, podemos inclusive falar em vacina preventiva contra o câncer. Estudos também já são realizados em pacientes com alto risco de desenvolver câncer de mama.
Um dos estudos mais promissores foi um ensaio clínico de Fase III, em que pacientes com câncer de mama avançado receberam uma vacina após se submeterem a tratamentos convencionais. Em 15 anos, a taxa de recorrência da doença entre pacientes vacinados foi de 12,5%, contra 60% em pacientes que receberam o tratamento convencional e uma vacina placebo. Outra boa notícia vem de pesquisas de uma outra vacina. Os resultados são muito animadores. As pacientes imunizadas tiveram, em cinco anos, uma sobrevida livre da doença de 14 pontos percentuais maior em comparação com indivíduos que receberam placebo.
Um dos diferenciais das vacinas oncológicas é a necessidade de personalização do tratamento. Os custos ainda são proibitivos para uso em larga escala, mas o desenvolvimento tecnológico deve baratear o seu uso e permitir ampliar sua escala.
As vacinas são, portanto, uma das mais promissoras respostas para o futuro tratamento do câncer e, porque não, de outras enfermidades que possam surgir no horizonte. Precisamos deixar de lado o preconceito para um imunizante que é resultado de longos anos de pesquisa e tem eficácia mais do que comprovada por milhares de cientistas ao redor do mundo.
* Ramon Andrade de Mello é médico oncologista, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Uninove e da Escola de Medicina da Universidade do Algarve, em Portugal