Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital realiza estudo sobre regulamentação da telemedicina ao redor do mundo

Benchmarking revelou que países referência em saúde no mundo liberam que primeiras consultas sejam realizadas à distância. No Brasil, esta prática da medicina aguarda a regulamentação definitiva que esbarra em entraves que atrasam o avanço da saúde digital no Brasil, entre eles a condição de que apenas retornos e acompanhamentos sejam feitos via telemedicina  

A Saúde Digital Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital), organização sem fins lucrativos que congrega entidades que atuam na cadeia de prestação de serviços de telemedicina e que desenvolvem atividades relacionadas à saúde digital, realizou um benchmarking que identificou que de 15 países, apenas o Uruguai apresenta fortes restrições à primeira consulta à distância. Na quase totalidade dos países analisados, incluindo referências em saúde como a Inglaterra, que através do NHS que serve de inspiração para a criação do nosso SUS, existe liberação total dos atendimentos, mesmo que em primeira instância via telemedicina, e isto acontece em outros países da Europa, assim como aqui nas Américas, incluindo os Estados Unidos, Canadá, México, Colômbia, Argentina entre outros.

A manutenção da primeira consulta não presencial é um dos pontos centrais da discussão sobre a regulamentação definitiva da telessaúde no Brasil, que tramita no Congresso Nacional.  O Conselho Federal de Medicina (CFM) pleiteia que esse recurso seja utilizado apenas para o acompanhamento de doenças crônicas e retornos.

O objetivo deste benchmarking, realizado pelo departamento jurídico da Saúde Digital Brasil, foi exatamente esse: entender como outros países ao redor do mundo estão lidando com alguns pontos específicos relacionados a telemedicina: o contexto geral; a definição da telemedicina; atividades cobertas; a necessidade de licença específica para o médico exercer a telemedicina; quando a primeira consulta pode ser presencial ou à distância; prescrição; autonomia do médico e o consentimento do paciente, sendo dois aspectos que caminham juntos e são muito importantes para o futuro da telemedicina, em especial no Brasil.

“A principal contribuição deste estudo é mostrar que diferente do que se observa no Brasil, a telemedicina é bastante aceita ao redor do mundo. Debates como o que estamos tendo por aqui, cheio de entraves, como a questão da primeira consulta e da territorialidade, acabam atrasando a regulamentação e colocando o País ainda mais a reboque com relação aos avanços da tecnologia na área da saúde. Fora que não existe nenhum respaldo na literatura médica que justifique a proibição”, ressalta Eduardo Cordioli, presidente da Saúde Digital Brasil.

Segundo Cordioli, a regulamentação da Telemedicina no Brasil é bastante peculiar. Enquanto, em países como Portugal e Colômbia, cabe ao Ministério da Saúde regular a telemedicina, por aqui, essa responsabilidade está atribuída ao Conselho Federal de Medicina, autarquia sem comparativo em outros países. Mesmo assim, é importante olhar para os outros países e como as outras economias estão lidando com telemedicina e, desta forma, trazer inovações tecnológicas para o Brasil. Entre os apoiadores da primeira consulta a distância estão Alemanha, Espanha, Canadá, Chile, Colômbia, EUA, França, Nova Zelândia e o Reino Unido.

Fazendo paralelo com países da América do Sul, desde 2010, a Colômbia aprovou lei que estabelece diretrizes para a telessaúde. Anos depois, em 2019, antes mesmo da pandemia, o Ministério da Saúde e Proteção Social regulamentou através de uma Resolução (equivalente a uma Portaria no ordenamento brasileiro) critérios para exercício de atividades por profissionais médicos. A regulação colombiana define a telemedicina interativa como a relação à distância entre médico e paciente para prestação de serviço de saúde em quaisquer de suas fases, o que inclui a primeira consulta.

Na Europa, é possível observar a evolução do debate em países como a França. Em 2009, o país aprovou alteração ao seu Código Sanitário, impondo regulamentação restritiva à telemedicina, vedando a realização de primeira consulta à distância. Diante dessa restrição, em 2019, foi feita uma pequena alteração na lei para autorizar amplamente a primeira consulta à distância, sem a necessidade de o paciente estar acompanhado de um médico no local de atendimento. “A forma como a França alterou o seu Código Sanitário é um sinal dos tempos. Muitos países estão trabalhando para mudar a sua regulamentação e ampliar esse escopo, inclusive antes da pandemia, como Colômbia, França e a Nova Zelândia”, ressalta.

Outro exemplo importante está no Reino Unido. Nos últimos anos, está se investindo massivamente em uma estratégia “Digital First”. Visando a melhorar o acesso ao cuidado, o paciente entra no sistema de saúde inglês, prioritariamente, por um atendimento digital. Esse modelo reduz desperdícios para os sistemas públicos de saúde, além de simplificar a jornada do paciente.

No benchmarking internacional, foram identificados países que não vedam totalmente a primeira consulta à distância, autorizando alguns procedimentos. É o caso da África do Sul. O Conselho de Profissões de Saúde da (HPCSA, na sigla em inglês) mudou seu entendimento. Em 2016, a primeira consulta à distância era amplamente vedada. Com o avanço da pandemia, abriu-se exceção para a telepsicologia e a telepsiquiatria. Nos demais casos, é preferível que haja uma relação prévia entre médico e paciente, embora, quando não é possível e é da preferência e interesse do paciente, esta primeira consulta pode ser à distância.

“É fato que o Brasil precisa de uma regulamentação urgente. A telemedicina foi liberada em caráter de urgência, em 2020, e sua regulamentação só vigorará até o término da pandemia. Precisamos evitar que o país retorne ao patamar de 2002, que era um momento bem inferior em disponibilidade de tecnologia e que se formos olhar profundamente, a regulamentação já chegou defasada se for considerar as inovações da época. Nesse sentido, olhar para os exemplos internacionais pode ser um ponto de partida”, finaliza.