CFM apresenta pesquisa sobre a distribuição e o perfil dos médicos brasileiros

Explode número de médicos no Brasil, mas distorções na distribuição dos profissionais ainda é desafio para gestores

O Brasil tem hoje mais do que o dobro de médicos que tinha no início do século. Em 2000, eram 230.110 médicos. Em 2020, eles somam 502.475 profissionais. Nesse período, a relação de médico por mil habitantes também aumentou significativamente, na média nacional. Passou de 1,41 para 2,4. É o que mostra o estudo Demografia Médica no Brasil 2020, resultado de uma colaboração entre o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Universidade de São Paulo (USP).

Os dados apontam que a proporção de médicos por habitantes no Brasil é superior à do Japão e se aproxima dos índices dos Estados Unidos (2,6), Canadá (2,7) e Reino Unido (2,8). “Temos médicos em número suficiente para atender a população brasileira, o problema está na distribuição. Assim como outros profissionais, os médicos estão concentrados nos grandes centros”, argumenta o presidente do CFM, Mauro Ribeiro.

OCDE – Segundo mostra o estudo, em estados das regiões Sudeste e Sul e em cidades mais desenvolvidas a proporção é muito maior do que a razão de 3,5 médicos por mil habitantes, que é a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nas capitais brasileiras, essa média fica em 5,65 médicos por grupo de mil habitantes, sendo que as maiores concentrações foram registradas em Vitória (13,71), Florianópolis (10,68) e Porto Alegre (9,94).

Para o professor Mário Scheffer, da Universidade de São Paulo (USP), que coordenou o desenvolvimento do trabalho, o crescimento inédito da força de trabalho médico foi impulsionado pela abertura de novas escolas médicas e pela expansão de vagas em cursos de Medicina já existentes. “Apenas na última década, de 2010 a 2019, 179.838 novos médicos entraram no mercado de trabalho no Brasil”, relata.

Aumento – Nos últimos 100 anos, o aumento no número de médicos foi proporcionalmente cinco vezes maior do que o de habitantes. Em 1920, ponto de referência do estudo, existiam 14.031 médicos no país. Um século depois, a quantidade é 35,5 vezes maior. No mesmo período, a população do país aumentou 6,8 vezes, passando de 30.635.605 para 210.147.125 habitantes.

Até os anos 1970, o crescimento no número de médicos era proporcional ao da população, aumentando numa velocidade maior durante o regime militar e subindo de forma acelerada desde 2010 (ver gráfico abaixo). Nos últimos 50 anos, o número de médicos cresceu quase quatro vezes mais que o da população. Em 1970, o país tinha 42.718 médicos e uma população de 94,5 milhões de pessoas. Em 2020, são mais de 500 mil médicos para 210 milhões de brasileiros. No período, o número de médicos aumentou 11,7 vezes, enquanto a população subiu 2,2 vezes.

Esse aumento fez com que nos últimos 40 anos dobrasse a proporção de médicos por grupo de 1.000 habitantes. Em 1980, o país tinha 0,98 médicos por 1.000 habitantes, proporção que era de 1,68 em 2010, subiu para 2,00 em 2015 e agora está em 2,4 (veja gráfico abaixo).

Como os médicos podem se inscrever em mais de um Conselho Regional de Medicina (CRM) e, assim, atender a uma população maior, o número de registros ativos de médicos 550.024 inscrições no sistema conselhal.

Projeção – A perspectiva é que a proporção de médicos por grupos de 1.000 continue crescendo, já que os médicos trabalham em média 40 anos e anualmente cresce o número de novos formandos. Estima-se que, em 2024, 31.849 novos médicos entrem no mercado de trabalho, o que corresponde ao número de vagas de graduação oferecidas no país em 2017. Esse contingente previsto é mais que o dobro do número de médicos que se registraram nos CRMs em 2012, que foi de 16.425.

A projeção feita pelo professor Milton de Arruda Martins, também da USP, é que daqui a 45 anos o Brasil tenha cerca de 1,5 milhão de médicos para aproximadamente 250 milhões de habitantes. Essa projeção se sustenta no saldo entre o número de médicos que entram e saem do mercado de trabalho. De 2000 a 2019, por exemplo, 280.948 novos médicos se registraram nos CRMs e 29.584 saíram, por morte ou cancelamento do registro, gerando um saldo de 251.364.

Recém-formados – Com 342 escolas médicas e a oferta de 35.622 novas vagas anualmente, o Brasil tem hoje uma média de 10,4 recém-formados em medicina para cada grupo de 100 mil habitantes. Este índice é superior aos índices da França (9,5), Chile (8,82), Estados Unidos (7,76), Canadá (7,7), Coreia do Sul (7,58), Japão (6,94) e Israel (6,9), entre outros países.

A tendência é que, em poucos anos, o Brasil aumente a proporção de médico recém-formados, alcançado a média de 16 recém-formados por 100 mil habitantes, hoje existente em Portugal e em países do Leste Europeu. “A nossa taxa tende a aumentar na medida em que novas vagas de graduação autorizadas recentemente completem seis anos, que é o tempo de duração dos cursos de medicina”, prevê Hideraldo Cabeça, 1º secretário do CFM.

Com o aumento de recém-formados, a projeção é que rapidamente o Brasil ultrapasse a proporção de médicos da OCDE (3,4). Hoje, o país, com seus 2,4 médicos por mil habitantes, já tem a mesma taxa de um médico por mil habitantes igual a do Japão, México e Polônia e muito perto do que dispõem o Chile (2,5), Estados Unidos (2,6), Canadá (2,7) e Reino Unido (2,8). Nos Rio de Janeiro (3,7) e no Distrito Federal (5,1), a proporção já é maior do que a dos países da OCDE.

Entre as capitais, apenas Porto Velho (3,28), Rio Branco (1,99), Manaus (2,30), Boa Vista (2,32) e Macapá (1,77), todas na região Norte, têm menos médicos do que o registrado nos países da OCDE.

Para o CFM, está claro que a formação desenfreada de novos médicos vai impactar o mercado de trabalho. Porém, a preocupação maior da entidade é com a qualidade dos novos formandos, principalmente àqueles oriundos das faculdades que não oferecem campos de estágio, hospitais de ensino e outras condições para a boa formação. “Nosso temor é com a saúde da população, que está sendo atendida por médicos formados em escolas desestruturadas e sem locais de prática”, argumenta.

Desigualdade na distribuição dos médicos dificulta o acesso da população aos cuidados em saúde

O Brasil possui um número absolutos de médicos significativo, como mostram os levantamentos mais recentes. Contudo, ao avaliar os dados se percebe que há distribuição desigual entre as regiões do país e entre as áreas metropolitanas e o interior. As áreas mais afetadas são as menos desenvolvidas, as mais distantes e as de difícil provimento (com altos índices de violência, por exemplo).

Enquanto a média nacional é de 2,38 médicos por 1.000 habitantes, há lugares, como Vitória (ES), onde a proporção é de 13,71, enquanto em municípios com até 5 mil habitantes, são 0,37 médicos por mil habitantes. Porém esse problema não afeta apenas a presença do médico, o estudo Demografia Médica já revelou em edições anteriores que nos locais sem cobertura também não há profissionais de outras categorias, inclusive da área da saúde.

“Localidades com esse perfil – população pequena, sem atividade econômica definida ou com baixos indicadores de desenvolvimento humano – não atraem e fixam profissionais. Neles, o mercado não se autorregula. Assim, cabe ao Estado, por meio de políticas indutoras levar e manter médicos e outros profissionais nestas áreas. Para isso devem ser oferecidas condições de trabalho e remuneração adequadas”, disse o 1º vice-presidente do CFM, Donizetti Giamberardino.

Melhora – Contudo, apesar de poucas iniciativas do setor público neste sentido, todas as regiões brasileiras apresentaram melhora na relação médico e população atendida. Porém, como ressaltam os representantes do CFM, persistem as distorções percebidas na Demografia Médica 2011 e mantidas em todas as edições seguintes. Ao analisar o quadro, percebe-se que o Norte (1,30) e Nordeste (1,69) apresentam uma média menor do que o índice nacional, enquanto o Sul (2,68), Centro-Oeste (2,74) e Sudeste (3,15) exibem um desempenho melhor.

Pela primeira vez na série histórica, nenhum estado apresentou razão menor do que um (1) médico por mil habitantes. Em todo o país, apenas quatro estados apresentam proporção de médicos por mil habitantes inferior a metade da média nacional, ou seja, 1,2. Por outro lado, outros sete relatam um desempenho acima de 2,4 médicos por mil habitantes. Os destaques são Distrito Federal, com 5,11, seguido por Rio de Janeiro (3,70) e São Paulo (3,2).

Média – No Norte, que tem uma taxa 43% menor do que a média nacional, a maior proporção de médicos é encontrada no Tocantins, com média de 2,01. A menor aparece no Pará (1,07). No Nordeste, a pior situação está no Maranhão (1,08) e melhor índice fica na Paraíba, com 2,04. No Sul, a média regional é de 2,68, com o Rio Grande do Sul apresentando 2,89; Santa Catarina 2,64 e o Paraná, 2,49.

No Centro-Oeste, com 2,74 médicos por mil habitantes, os números são puxados pelo Distrito Federal, cuja proporção é 5,11. O Mato Grosso, com 1,91, que é o único estado da região a ter uma média menor do que a nacional. No Sudeste, a melhor indicativo é encontrado no Rio de Janeiro, com 3,70, e a menor concentração está em Minas Gerais, com 2,66. (Veja gráfico a seguir).

Além das desigualdades regionais, a Demografia Médica também mostra que há uma concentração de médicos na iniciativa privada, que geralmente oferece melhores condições de trabalho. De acordo com o estudo da USP, 50,2% dos médicos atuam na iniciativa privada e no serviço público, 28,3% trabalham apenas na iniciativa privada, seja por meio dos planos de saúde, ou em consultórios particulares, e 21,5% atendem apenas no serviço. Com isso, a força de trabalho na iniciativa privada é de 78,5% e, no serviço público, 71,7%.

Capitais e grande centros concentram a maioria dos médicos brasileiros

A Demografia Médica no Brasil 2020 confirma o que o CFM denuncia há anos: há falta no país de políticas públicas que fixem os médicos e demais agentes de saúde no interior do país. Isso fica evidente na análise dos números. Enquanto nas 27 capitais a média é de 5,65 médicos por mil habitantes, nas cidades do interior é de 1,49. Enquanto abrigam 23,8% da população, as capitais concentram 54,2% dos médicos

As maiores taxas nas capitais estão em Vitória (13,71), Florianópolis (10,68), Porto Alegre (9,94) e Recife (8,18). Já Macapá (AP) e Rio Branco (AC) têm as menores taxas (1,77 e 1,99, respectivamente), apresentando, inclusive, um percentual menor do que a média nacional geral.

No comparativo entre as regiões, as capitais do Norte têm 2,94 médicos por mil habitantes, seguidas pelas capitais do Nordeste (5,30), Centro-Oeste (5,44), Sudeste (6,15) e Sul (8,35).

Indicador – Para mostrar como é irregular a distribuição dos médicos nos estados, o Demografia Médica criou o Indicador de Desigualdade, que revela a diferença entre a presença de médicos nas capitais e nos municípios do interior.

O indicador é resultado da divisão entre a razão de cada capital e a razão das regiões do interior do respectivo estado. Quanto maior o Indicador de Desigualdade, maior a concentração de médicos na capital. No Brasil como um todo, esse indicador é de 3,80 – resultado da divisão entre a razão das capitais, que é de 5,65, e a razão dos municípios do interior, que é de 1,49 médico por mil habitantes.

Após os cálculos, percebe-se que a maior desigualdade ocorre em Sergipe, cujo índice é 22,93. Neste estado, a relação de médicos por população é de 6,01 na capital, enquanto no interior é de 0,26. O extremo oposto ocorre em São Paulo, que tem um índice de 2,43. Lá, o índice na capital é de 5,61 e, no interior, de 2,31. Essa boa relação é explicada porque o estado tem várias cidades com mais de 500 mil habitantes, que geralmente contam com um contingente maior de médicos.

Com um Indicador de Desigualdade equivalente a 7,95, o Nordeste é a região com maior diferença entre capitais e interior. Nessa região, enquanto a média de médicos nas capitais é de 5,30, nas cidades do interior fica em 0,67. O Sudeste é a região com o menor Indicador de Desigualdade: 2,87. Nessa região, a taxa de médicos atuando na capital é de 6,15 e, no interior, 2,15.

Grandes centros – Além das capitais, os médicos tendem a se fixar nas cidades com um maior número de habitantes. Enquanto nos municípios com mais de 500 mil moradores, a média é de 4,89 médicos por mil habitantes, nas localidades com até 5 mil pessoas, a relação é de 0,37. Só a partir dos municípios com mais de 100 mil habitantes é que é possível alcançar a média de 2,27.

O Estudo Demografia médica mostra que os 48 municípios com mais de 500 mil habitantes reúnem 66 milhões de pessoas (31,7% da população do país) e contam com 325.490 médicos (62,4%). Já nos 1.253 municípios com até 5 mil moradores vivem 4,2 milhões de pessoas, que são atendidas por 1.557 médicos.

A situação também é difícil nos 1.199 municípios que têm de 5 a 10 mil moradores, cuja razão é 0,38. Neles moram 8,5 milhões de pessoas e 3.269 médicos. As cidades com população entre 10 mil e 20 mil moradores agrupam 1.345 municípios, onde vivem 19,2 milhões de pessoas e trabalham 9.051 médicos. A taxa é de 0,47 médico por mil habitantes.

Somados, os 3.797 municípios com até 20 mil habitantes representam 68,2% dos 5.570 municípios do país, abrigam 31,9 milhões de habitantes e contam com 13.877 médicos. Os números mostram que 15,2% da população brasileira é assistida por apenas 2,7% dos médicos em atividade.

Para Mauro Ribeiro, os números mostram a necessidade de uma política que fixe o médico no interior e nos pequenos municípios. “O médico precisa ter segurança financeira e de infraestrutura, além de uma rede de referência e contrarreferência. Sem essas condições, é quase impossível fixar qualquer profissional em alguns locais”, argumenta.

Para saber mais detalhes sobre esse estudo, acesse portal.cfm.org.br

Acesso ao Certificado de Participação do 47º Congresso Mundial de Hospitais

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