Dengue se combate todo dia o ano todo, lembra pesquisador da Unifesp

De Rafael

Em pouco mais de 100 dias o Brasil registrou aumento superior a 85% no número de casos em comparação a 2021

Os cuidados na prevenção e combate ao mosquito Aedes aegypti são antigos e conhecidos por todos. E, ano após ano, os erros também… E são esses mesmos equívocos, seja por parte do poder público e ou da própria população, que permitem a perpetuação dos problemas de saúde pública em relação à dengue. Neste início de ano, dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que o país contabilizou quase 324 mil casos da doença desde janeiro até o dia 15 de abril último, com 79 mortes pela doença. Trata-se de um aumento de infecções de 85,6% em relação ao mesmo período do ano passado.

E a pergunta que paira no ar é a mesma sempre: a que isso se deve? E a resposta não é tão simples como se pensa. “É muito difícil estabelecer uma relação e até uma explicação muito clara por conta desse aumento da dengue. Ela tem um comportamento muito errático e irregular. Se você olhar nos últimos 20 anos vai ver que tem anos sem dengue, dois anos, às vezes três anos e, de repente, você tem um surto enorme. Aí durante dois anos você tem muitos casos, depois volta um ano sem. Então é muito difícil entender o porquê isso acontece e sequer fazer previsões”, analisa Celso Granato, professor livre-docente aposentado da disciplina de infectologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O especialista explica que são quatro os vírus causadores da dengue e que eles se alternam muitas vezes, embora com predominância maior dos sorotipos 1 e 3: “Em geral o 1 é o mais frequente, mas eles se alternam. Depende muito do regime de chuvas e o Brasil é um país muito variado, muito heterogêneo do ponto de vista de temperatura e do regime de chuvas. Então, se você juntar todas essas variáveis fica muito difícil prever quando vai ter novo surto”.

Granato também opinou sobre o crescimento dos casos de dengue no Centro-Oeste do Brasil, com 242% de aumento, o mais expressivo entre todas as regiões do país, com 648 casos para cada 100 mil habitantes: “Da mesma forma, quando você vai olhar ao longo dos últimos 20 ou 30 anos esse é o comportamento da doença. Ela predomina numa determinada região, depois de alguns anos volta a estar nessa região e às vezes ela muda para outra. Isso depende fundamentalmente do tipo de vírus que está incidindo em uma certa região, se é o 1, 2, 3 ou 4, e depende muito do regime de chuvas. Esse ano, por exemplo, foi um ano que choveu muito e, provavelmente, também naquela região Centro-Oeste. Por que é que acontece isso? Quando você tem muita chuva esses ovos que os mosquitos vão colocando ao longo da vida eclodem, eles abrem e liberam mosquitos que já nascem contaminados. Existe um processo, no caso dos arbovírus, como dengue, zika e chikungunya, que tem uma transmissão transovariana do vírus. Você tem vírus que é do mosquito fêmea, que passa para os ovinhos. Esses ovinhos quando eclodem já dão nascimento a mosquitos contaminados. Eles não precisam picar uma pessoa para se contaminar. Quando tem uma região que chove muito e onde faz muito calor, como a região Centro-Oeste, e se lá choveu muito e precisaria dar uma olhadinha no regime de chuvas, mas é bem provável que tenha chovido mais do que o habitual, isso aumenta o número de casos também. Depende também quando foi o último surto naquela região, porque esses surtos são cíclicos. Por exemplo: se tem um surto agora e passa dois ou três anos sem ter surto aumenta o número de pessoas suscetíveis. E aí tem chance de ter um surto maior do que em outras circunstâncias. A questão da dengue é sempre muito difícil de explicar em função das muitas variáveis que atuam e ainda tem um balanço entre elas”.

O infectologista ressalta que para evitar dengue as lições já são bem claras e que as lições de casa não têm sido feitas: “O que acontece? A gente tem que matar mosquito, só que tem que matar o ano inteiro. E o que ocorre é que você tem um ano com muitos casos de dengue, no ano seguinte o pessoal acaba assustando, faz um combate mais efetivo, só que no ano seguinte não tem. Talvez não tenha porque não teria mesmo, porque como falei é um regime errático e aí quando chega o segundo ano sem dengue a autoridade pública pensa assim: ‘Para que é que eu vou ficar matando mosquito se o ano passado não teve?’ Então deixa de combater esse ano. No ano seguinte tem dengue. Fica muito difícil para a autoridade política poder estabelecer um regime. Ela teria que investir esse dinheiro todo ano matando mosquito. Ao longo do tempo isso implicaria num menor número de casos, só que isso não é feito”.

O pesquisador pondera que nos últimos anos, em função da covid-19, ocorreu um outro fenômeno, o esgotamento dos recursos públicos. “Certamente a saúde pública teve que gastar muito dinheiro com relação à internação e na campanha de publicidade para alertar a população com relação à pandemia e, certamente, faltou muito recurso para poder se aplicar em outras doenças, haja visto que você vê os relatórios da Organização Mundial da Saúde, por exemplo, dizendo que aumentou muito o número de casos de tuberculose. É porque faltou dinheiro para as outras áreas. Se é que existe uma relação é econômica, financeira, a autoridade pública não teve dinheiro para manter o mesmo combate à dengue porque gastou muito com a covid. Agora, certamente se tivesse investido o mesmo dinheiro de uma forma mais constante para matar mosquito ao longo do tempo, teria menos arbovirose de uma forma geral, mas isso não tem sido feito mesmo nos anos em que a gente não tem covid”, aponta Granato.

VACINA, MOSQUITO TRANSGÊNICO E BACTÉRIA — O professor aposentado da Unifesp explica que dengue, por ser uma doença majoritariamente tropical e pouco afetar países que estão fora dessa zona geograficamente, como França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, tende a despertar menos interesse por parte destas nações no desenvolvimento de uma vacina para proteção. E que dependeria fundamentalmente do Brasil trabalhar para uma solução nesse sentido: “A gente tem informação de que o Instituto Butantan está desenvolvendo uma vacina contra a dengue. Eles não têm publicado muitos resultados ao longo do processo e não sabemos em que pé está isso”.

Granato entende que o combate à dengue utilizando mosquitos transgênicos pode funcionar, porém o custo envolvido nesse tipo de ação é muito oneroso: “O mosquito transgênico é um mosquito estéril, mas ele compete com o mosquito selvagem natural, porém é muito caro, porque como ele é mais frágil do ponto de vista de outras doenças do mosquito ele morre mais cedo. Você tem que ter cinco vezes mais mosquito transgênico do que mosquito natural”.

A estratégia que me parece melhor é o uso da Wolbachia, mas eu não sei o porquê não tem sido dada a devida importância a ela. “A Wolbachia é uma bactéria que parasita o intestino do mosquito. É para se disseminar na natureza essa bactéria porque ela não acomete o ser humano e ela mata mosquito, ela tem uma transmissão entre os mosquitos. Isso combateria de uma forma bastante eficiente e até onde eu sei barata para você reduzir a superpopulação de mosquitos”, defende Granato.

O pesquisador reitera que o combate à dengue tem que ser todo o ano, pelo ano inteiro, independente de se ter ou não a doença. “Quando isso foi feito o sucesso foi muito grande”, encerra o infectologista.

Veja também