Dia D da Diálise alerta: maior crise já enfrentada pelos pacientes renais crônicos do Brasil

Cofinanciamento por estados e municípios pode garantir a qualidade assistencial de quase 150 mil pessoas, que sofrem de doença renal crônica, e a sobrevivência das clínicas conveniadas ao Sistema Único de Saúde, mas apenas 3 estados auxiliam atualmente

Cerca de 150 mil pacientes renais crônicos, que fazem tratamento de diálise nas mais de 840 clínicas espalhadas pelo Brasil, estarão até o dia 25 de agosto, o Dia D da Diálise, em luta pela garantia do tratamento. A mobilização é uma iniciativa da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), que, desde 2018, tenta sensibilizar os governantes e a sociedade sobre a grave crise financeira enfrentada pelas clínicas de diálise que prestam serviço ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao longo desses quatro anos, a crise se intensificou e muitos temem que as unidades fechem as portas ou deixem de atender pacientes encaminhados pelo SUS, como já vem acontecendo em algumas cidades. Somente nos últimos seis anos, 40 clínicas não conseguiram se manter e foram à falência. De acordo com os administradores, os repasses feitos pelo Governo Federal tornaram-se insuficientes diante dos aumentos de custos. Dependendo do porte da clínica, os valores recebidos pela prestação de serviços estão de 32% a 49% abaixo do custo real do tratamento. Atualmente, a ABCDT pede ao menos 32,07% de reajuste na tabela SUS. Esse cálculo não considera ainda o impacto financeiro do aumento salarial de enfermeiros e técnicos, que pelos cálculos iniciais fica com defasagem média próxima a 57% em clínicas de grandes centros urbanos, cujo salários são mais altos. No Nordeste, a folha de pagamento de algumas clínicas chega a crescer 138%.

“Sem recursos, muitas clínicas deixaram de fazer investimentos. E, na atual conjuntura, podem vir a fechar. Estamos agora apelando para o Governo Federal, para Estados e Municípios em busca de auxílio financeiro. Os cofinanciamentos são necessários. Hoje, apenas os estados do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Santa Catarina complementam os custos da diálise. E os pacientes renais crônicos dependem da diálise para sobreviver. Quando os rins param de funcionar e filtrar o sangue, somente uma máquina é capaz de realizar essa tarefa. E todo paciente dialítico precisa da terapia ao menos por quatro horas, três vezes por semana, até que possa conseguir um transplante renal, se estiver apto. A ABCDT, após cinco anos de luta, conseguiu um reajuste de 12,5% do Ministério da Saúde para 2022. A tabela SUS estabelece os valores a serem pagos às clínicas. Mas infelizmente foi muito abaixo dos custos e não resolveu as dificuldades. Usamos máquinas e insumos importados, cujos preços aumentaram muito nos últimos anos. Hoje, o SUS paga R$ 218,47 por diálise, contra um custo médio de R$ 288,54 por sessão. É um déficit de R$ 70. Com a grande defasagem no valor do reembolso, a maioria das prestadoras de serviço ao SUS precisa recorrer a empréstimos. Há um risco real de desassistência no setor”, explica o presidente da Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), Yussif Ali Mere Júnior.

E vários outros desafios se impõem na nefrologia brasileira: há dificuldade de acesso ao diagnóstico da doença e ao tratamento em tempo oportuno; o acompanhamento ambulatorial pré-dialítico é insuficiente; o acesso para cirurgia vascular é limitado; existe um vazio assistencial em regiões afastadas dos grandes centros; há dificuldades para oferecer o tratamento a pacientes pediátricos; há dificuldade de acesso ao transplante renal; o acesso à diálise peritoneal é reduzido (apenas 5% da população têm acesso) e a remuneração é insuficiente para a manutenção e acompanhamento da equipe assistencial; e, por falta de vagas em clínicas, há pacientes internados em hospitais para realizar o tratamento.

“O que nos resta pensar é que o futuro é incerto para os pacientes renais crônicos. É importante que a sociedade saiba que essa terapia substitui a função que o rim doente não consegue mais executar e, sem esse tratamento, o paciente renal vai a óbito. Podemos dizer que o Brasil vinha, até aqui, sendo um bom exemplo de prestação de serviço nefrológico. Há pacientes renais com mais de 30 anos em diálise desde que os rins pararam. E esses cidadãos, em sua maioria, são pessoas carentes que adquirem diabetes e hipertensão e depois perdem a função renal porque se alimentaram mal por muitos anos; muitas mal têm tempo e dinheiro para comprar e produzir alimento saudável em casa, muito menos para fazer atividade física. A saúde das pessoas mais pobres é cada dia mais crítica. E, quando adoecem, não tomam os remédios necessários. Vão piorando cada vez mais”, alerta o médico.

A doença renal crônica (DRC) é uma das principais causas de morte no Brasil, com 40 mil novos casos ao ano, de pessoas com alguma disfunção renal. Muitas nem sequer chegam a descobrir a doença a tempo de tratar e acabam falecendo. “Para se ter uma ideia, países com bom padrão de atendimento têm cerca de mil pacientes em tratamento para cada milhão de habitantes. O Brasil tem aproximadamente 550 pacientes para cada milhão de habitantes. Não é que o Brasil tem menor prevalência da doença. Temos ausência de diagnósticos e muitos vão a óbito antes de descobrirem o problema renal, que muitas vezes é silencioso”, finaliza.

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