Ampliar o acesso aos tratamentos no país de forma equilibrada é o caminho para melhora dos números da doença
Criar melhores oportunidade para a prevenção, diagnóstico precoce e tratamento contra o câncer levaria à diminuição de novos casos e melhora nos prognósticos. O problema é que disponibilizar o acesso mais eficaz a todas as fases de controle da doença é um desafio acentuado pelas dimensões continentais do Brasil e pela disparidade econômica de suas regiões. Quando se celebra o Dia Mundial de Combate ao Câncer, em 4 de fevereiro, fica evidente que assegurar a equidade da saúde, como pede a campanha de 2024, é uma missão com pouca perspectiva de sucesso dentro do atual contexto brasileiro.
Fernando Medina, médico do Centro de Oncologia Campinas, cita pesquisa da Fiocruz para ilustrar a disparidade predominante nos tratamentos oferecidos no Brasil. “Esse estudo aponta que entre 49% e 60% dos que fazem tratamento contra um câncer pelo Sistema Único de Saúde (SUS) precisam deixar o seu município atrás de assistência. E não precisamos ir muito longe para comprovar isso. Campinas é o centro de referência para pacientes de centenas de outras cidades de São Paulo e até de outros estados”, conclui.
O estudo da Fiocruz mostra, por exemplo, que pacientes das regiões Norte e Centro-Oeste podem realizar deslocamentos superiores a 800km em busca de tratamento. O levantamento também revela que residentes em Roraima e Amapá que se deslocaram para atendimento radioterápico percorreram mais de 2 mil quilômetros, em média, no tratamento. Já pacientes residentes nas regiões Sul e Sudeste se deslocaram de 90 a 134 quilômetros atrás de tratamento.
“O Dia Mundial é uma iniciativa global para aumentar a conscientização sobre o câncer. O tema atual é o cuidado ao paciente com câncer, salientando a importância do acesso equitativo a todas as pessoas. Aprimorar a acessibilidade aos serviços de câncer e reduzir a disparidade na incidência e mortalidade estão entre os principais objetivos da oncologia para melhora dos números de cura e sobrevida”, reforça o oncologista do COC.
O câncer, lembra Medina, continua sendo uma das principais causas de morbidade e mortalidade no mundo. No Brasil, são esperados 704 mil casos novos a cada ano do triênio 2023-2025, conforme estimativa do Instituto Nacional de Câncer.
O Observatório de Oncologia do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer prevê que entre 2029 e 2030, o câncer deve passar as doenças cardiovasculares como principal causa de mortes no País. Segundo o Observatório, entre 1996 e 2020, as mortes por tumores cresceram 122%. Já as mortes por doenças cardiovasculares subiram 43%.
Promover a igualdade de acesso e melhores respostas aos tratamentos envolve mudanças e investimentos. Fernando Medina cita as principais: “O governo poderia implementar programas de triagens de rotina para cânceres mais comuns, o que permitira a detecção precoce, maiores chances de cura e menores gastos com tratamentos; desenvolver registro de câncer baseado na população para saber exatamente que políticas aplicar e onde; e implementar estratégias nacionais eficazes”, indica o oncologista.
Outras carências apontadas por ele no sistema de tratamento oncológico no Brasil estão relacionadas a investimentos para melhorar a educação sobre câncer, fomentar o cuidado centrado no paciente e abordar as determinantes sociais da saúde, aumentar o financiamento para as pesquisas e regular produtos confirmadamente carcinogênicos.
“A União Internacional para Controle do Câncer, que organiza o Dia Mundial, enfatiza o esforço coletivo necessário para fazer progressos significativos na oncologia. Isso passa obrigatoriamente por mudanças estruturais nos níveis governamentais. Um dos problemas do Brasil e do mundo ainda diz respeito aos tratamentos médicos de maneira geral. No Brasil, o acesso pelo SUS apresenta desafios significativos, principalmente relacionados à logística e disparidades regionais”, avalia.
Educação e campanhas
Educação no combate ao câncer, explica Medina, significa reforçar tudo o que já se sabe dos fatores de risco e prevenção e conscientizar a população de que é possível minimizar a exposição ao desenvolvimento da doença. O modo como cada um se alimenta e se exercita impacta na redução do risco de câncer.
“Fatores como uso do tabaco e alto índice de massa corpórea, consumo de álcool e baixa ingestão de frutas e vegetais e falta de atividade físicas foram identificados como causadores de aproximadamente um terço das mortes por câncer. Infecções causadoras de câncer, como HPV e hepatite, são responsáveis por cerca de 30% dos casos de câncer em países de baixa e média renda. As pessoas precisam ter acesso a essas informações”.
Sobrepeso e obesidade estão relacionados a causas de vários tipos de câncer, afirma o médico. Dessa forma, realizar atividades físicas e manter uma dieta saudável são iniciativas diretamente ligadas à redução de risco de desenvolvimento de neoplasias. “Adultos precisam realizar de 150 a 300 minutos semanais de atividade física de intensidade moderada, ou de 75 a 150 de alta intensidade. Uma dieta saudável é fundamental e se baseia no alto consumo de vegetais variados, frutas, grãos integrais e leguminosas; é aconselhável evitar carne vermelha e processadas, alimentos e bebidas altamente processados, açúcares e produtos de grãos refinados”, detalha.
Investir em educação e em conhecimento é um caminho eficiente de combater o câncer. “Nós já melhoramos muito nesse sentido, mas ainda podemos melhorar muito mais. Quando iniciei minha carreira, há 45 anos, as pessoas nem pronunciavam a palavra câncer, diziam aquela ‘doença ruim’, maligna. Hoje a maioria delas fala, discute e conhece os novos recursos dessa luta”, conta o oncologista do COC.