Em defesa de nova abordagem de políticas anti contágio da covid-19 no Brasil

Aline da Silva Freitas

No primeiro semestre de 2020, Solomon Hsiang e outros pesquisadores publicaram na Nature o estudo The effect of large-scale anti-contagionpolicies on the COVID-19 pandemic . O artigo científico mostrou a preocupação de pesquisadores de diversos países em fornecer respostas sobre o efeito de intervenções não-farmacêuticas decorrentes de decisões políticas sobre a redução da taxa de crescimento de casos de covid-19, para impactar positivamente saúde e vidas.

Os autores sinalizaram os limites da pesquisa de maneira bastante detalhada, o que se entende natural pelo contexto de incertezas e dinâmica da Pandemia, sendo que, entretanto, deixaram claro que embora os países analisados (China, Coreis do Sul, Itália, Irã, França e Estados Unidos) tenham dado respostas diversas e que cultura e comportamento das pessoas não tenham sido considerados, foi possível afirmar, com base em método científico, que os casos de covid-19 teriam sido de magnitude ainda maior se políticas de anticontágio não tivessem sido estabelecidas.

Em determinado ponto, na explicação do método, há menção à importância de se considerar o que já foi documentado em epidemias passadas. Assim, ainda que não seja o foco da pesquisa, esta acaba realizando convite para reflexão do que a ciência já tinha produzido sobre temas similares e que talvez a humanidade tenha perdido, no momento inicial da pandemia, a oportunidade de ouvir e reunir aprendizados históricos validados cientificamente para, de alguma forma, minimizar os casos de covid-19 em todo o mundo, tendo como consequência menor abalo social, econômico e político.

Especificamente sobre este último aspecto, ao que parece, a política, embora na técnica seja chamada de Ciência Política, na prática, a política feita por políticos se distanciou da ciência. No Brasil, em vários momentos, a pergunta recorrente, como pano de fundo, foi/é “como entender as posturas provenientes do Estado?” Quais os motivos disso?

Uma resposta possível é a de que, não obstante em todas as áreas existam pessoas sérias trabalhando pela transformação da sociedade, há crise política no Brasil. As autoridades públicas até demonstraram, algumas vezes, na fala, a intenção de ouvir a resposta da ciência, mas contraditoriamente na prática permitiram que outros interesses fossem sobressalentes; muitas vezes estes traduzidos na perspectiva de manutenção de carreiras políticas ou se perdendo em decisões que deixaram de lado a ideia de Federalismo.

O Estado recente – do moderno para o momento atual – enquanto resultado de formação histórica de escolhas sociais, econômicas, políticas e jurídicas, deve ter como finalidade o bem comum; é o que, pelo menos, os livros de Teoria Geral do Estado e outros ensinam. E o que é bem comum? Como torná-lo tangível? Curiosamente o artigo trouxe um exemplo prático de um caminho para responder essas perguntas: a existência de políticas públicas validadas quanto ao impacto positivo da redução e quiçá eliminação de casos de covid-19 atenderia a ideia de bem comum.

Ocorre que em muitos países, e pensando especificamente no Brasil, o esforço dos cientistas em observar dados para auxiliar na formulação de políticas públicas para dar esse tipo de resposta é ainda maior, pois, em regra, à política da prática brasileira falta planejamento, faltam dados, falta escuta ativa da ciência, falta valorização da educação e da ciência, falta alinhamento federativo, falta aprender com o passado e falta reconhecer que outros resultados seriam possíveis.

Quanto ao planejamento, frise-se que apenas na década 60, o Brasil desenhou seu primeiro Ministério do Planejamento. A história de uma estrutura para pensar de maneira estratégica o país é nova, sendo de conhecimento notório que, infelizmente, a iniciativa não conquistou consolidação. Aliás, a fragilidade de diversos, senão todos, os Ministérios brasileiros é evidente há muito tempo. Assim, a ciência tem dado respostas, só que as vezes sequer encontra a quem entregá-las para serem ouvidas… daí a falta de escuta da ciência, muito menos da necessária escuta ativa.

Acerca de dados, percebe-se, de outro lado, que o país avançou bastante. Reconhece o princípio da transparência pública, possui Lei de Acesso à Informação e outros instrumentos jurídicos para viabilizar tal princípio que deveria ser basilar em qualquer regime que se diga republicado (centrado no bem comum e na coisa pública) e democrático (em que a soberania está no povo). Ocorre que, curiosamente, os cientistas e toda a sociedade tiveram e estão tendo de lidar, em plena pandemia, com falta, atraso na divulgação e incertezas ou imprecisão de dados. Isto dificulta a realização de pesquisas e formulação de respostas mais rápidas e mais seguras – embora, frise-se, tenham aqueles que estão engajados e os resultados obtidos deveriam ser implementados.

De alguma forma, tudo isso demonstra a tendência histórica da política brasileira prática em desvalorizar a educação e a ciência. Lembre-se que há exceções, mas a regra infelizmente tem sido esta, tanto que se diferente fosse, o caos não estaria instalado no país. Foi triste, entre outros, saber que muitas escolas no país tinham de fechar o quanto antes pela ausência de água e itens de higiene pessoal. Note-se, nem se estava cogitando a presença de totens de álcool gel, porém de elementos ainda mais básicos, que garantiriam não só prevenção em face do coronavírus, mas de outras doenças.

Aprender com o passado, inclusive com o vivido em 2020 que em poucos dias se tornará página da história, embora com efeitos projetados para médio, curto e longo prazo, ainda é possível. Quisera mudanças substanciais acontecessem para suprir as faltas acima apontadas e que houvesse no Brasil um rearranjo federativo voltado ao bem comum: alinhar-se quanto à imperiosa necessidade de que, sob a lição da ciência, dê respostas políticas mais transparentes e seguras, educando-se e educando a todos em um processo de efetiva transformação para resultados sustentáveis sociais, políticos e econômicos.

Há esperança de que isso tenha se tornado evidente, afinal, questão de sobrevivência, cabendo a cada um ser agente colaborador – sim, a ideia é a da mais ampla concepção de agentes políticos, sendo cada um convidado ao exercício da cidadania ativa na promoção da saúde e da vida. Esperança é palavra para a ciência? O artigo acima comentado o mencionou duas vezes. Somarei ao coro na defesa de uma nova abordagem das políticas de anticontágio no Brasil, recordando que esperança realizável exige ação amparada em evidências científicas.

Aline da Silva Freitas é professora de Direito Público da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde se titulou Mestre em Direito Político e Econômico. Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.

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