*Amanda Bassan Alves e Júlio César de Souza
É notório na saúde suplementar que o grande desafio do setor é o alinhamento de interesses entre os players. Enquanto nos demais setores o aumento do investimento significa reforço na qualidade do produto ou serviço final, na saúde isso não ocorre. A utilização indiscriminada de recursos enseja desperdícios, não garante o melhor desfecho clínico e ameaça a sustentabilidade do setor.
O atual modelo de remuneração, fee-for-service, que incentiva a produtividade, precisa ser repensado por todos da cadeia, de forma que os interesses estejam alinhados em apenas um propósito: entrega de valor para a saúde do paciente. A mudança no modelo de remuneração é iminente para que não se remunere o erro, a falta de pertinência e sobreposição na indicação de exames e procedimentos, as fraudes e abusos que ainda acontecem, apesar das auditorias contratadas por Operadoras de Plano de Saúde.
Uma publicação do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS, divulgada em 2018, aponta que, em 2017, quase R﹩ 28 bilhões dos gastos das operadoras médico-hospitalares do país com contas hospitalares e exames foram consumidos indevidamente por fraudes e desperdícios em procedimentos desnecessários.
Não precisamos ir muito longe para entender o motivo desse movimento em negociações de modelos de remuneração alternativos ao fee-for-service. Pensemos em algumas situações de remuneração, como em um serviço de reforma de imóvel. Na primeira, remunera-se a cada serviço prestado e pelos materiais utilizados durante a obra. Na segunda, o pagamento será por hora ou dia trabalhado para executar o serviço, independentemente de como é realizado e dos materiais utilizados. E na terceira em que se paga um valor “X”, para um resultado “Y”, todos pré-acordados. Qual obra sairá mais barata? Qual será mais rápida? Qual terá o melhor resultado pelo menor custo? É notório que todos esses fatores são intrínsecos ao modelo de remuneração adotado.
Tal raciocínio não pode ser utilizado na área de saúde, pois é muito mais complexa e existem diversas imprevisibilidades inerentes ao ser humano. Contudo, permite-nos desenvolver modelos que remunerem por resultados e não por produtividade.
Diante desse cenário, entendendo que antes de evoluirmos para modelos mais complexos seria necessário estruturarmos melhor o modelo atual. Para isso, desenvolvemos um Guia Prático para que as Autogestões possam replicar o estudo em suas instituições e negociarem com sua Rede Credenciada, fomentando essa mudança com implantação de modelos de remuneração alternativos, que não somente esteja atrelado ao financiamento da saúde e sim à sustentabilidade do setor, e, acima de tudo, à qualidade dos atendimentos prestados aos seus beneficiários.
O início dessa mudança requer uma grande interação, transparência e aproximação entre operadoras e hospitais no primeiro momento, considerando concentrar cerca de 60% dos valores pagos, conforme publicado na última pesquisa UNIDAS, de forma que haja uma construção conjunta de uma nova estrutura de pagamento, compartilhando parcialmente os riscos e resultados, que deverão ser mensurados por indicadores.
Em meio a todo esse movimento, o profissional de saúde é incentivado a buscar aperfeiçoamento. Por sua vez, as indústrias farmacêuticas e de insumos são incitadas a atestar a qualidade de seus produtos, fazendo parte das garantias e incentivos proporcionados por remuneração baseada em valor.
Esse caminho está sendo construído para que haja o reconhecimento da importância e da parte que cabe a cada player em obter o melhor valor em saúde, que é a relação entre o desfecho clínico e seus custos, segundo Porter e Teisberg¹. Essa delimitação e até mesmo integração entre os níveis de atenção à saúde também é inerente à nova dinâmica do mercado, que apesar de complexa é necessária e urgente, ao considerarmos a velocidade da chegada de novas tecnologias e o envelhecimento da população.
¹PORTER, Michael e TEISBERG, E. Repensando a Saúde: Estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre. Bookman, 2007.
*Amanda Bassan Alves, diretora Técnica da UNIDAS-SP. É administradora, pós-graduada em Gestão de Saúde e coordenadora suplente na Comissão de Modelos de Remuneração e Gestão de Rede pela UNIDAS (União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde)
*Júlio César de Souza, administrador, especialista em Gestão empresarial da saúde, mestre em Administração de Serviços de Saúde, coordenador na Comissão de Modelos de Remuneração e Gestão de Rede pela UNIDAS.
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