Como médico e parte da comunidade de saúde, testemunho diariamente o desafio que é manter o equilíbrio entre cuidar dos outros e de nós mesmos. A jornada começa na formação acadêmica e intensifica-se dramaticamente ao entrarmos no mercado de trabalho. Se a essência da medicina é cuidar da humanidade, falhamos em nossa missão ao negligenciar a nossa própria saúde?Um levantamento de 2023 da Associação Médica Americana (AMA) que analisou respostas de mais de 13.000 médicos e profissionais de saúde em 30 estados americanos aponta que mais da metade dos médicos nos Estados Unidos (53%) sofreram burnout em 2022. No Brasil, uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) encontrou que 86% dos profissionais de saúde estudados estavam acometidos pela Síndrome de Burnout, e 81% apresentavam altos níveis de estresse no mesmo ano de 2022.
Os resultados da UFSCar também destacam problemas como má qualidade de sono, sintomas depressivos e dores frequentes no corpo . Qualquer médico atento recomendaria a seus pacientes uma revisão no estilo de vida e exploraria alternativas para melhorar sua saúde a curto, médio e longo prazo. Por que então hesitamos em aplicar esse mesmo cuidado a nós mesmos?
Na Noruega, pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia investigaram por que médicos continuam a trabalhar mesmo estando doentes, a conclusão mostra que há uma combinação complexa de fatores que incluem a avaliação pessoal da própria saúde, características das estruturas organizacionais, cultura profissional e fatores individuais, entre eles, uma cultura de valorização do sacrifício pessoal e o desejo de não sobrecarregar colegas que precisam cobrí-los em caso de ausência. Essa mentalidade nos ensina a suportar desconfortos, ignorar nossos próprios sintomas e priorizar o cuidado ao próximo, frequentemente à custa da nossa saúde, bem-estar e evolução profissional.
O esgotamento mental e físico entre médicos não só aumenta o risco de doenças mentais como também afeta negativamente nossos entes queridos, colegas e pacientes. Gerir o cuidado com pacientes e famílias, absorver histórias de vida e morte, e comunicar diagnósticos muitas vezes devastadores demanda uma carga emocional significativa que precisamos aprender a manejar.
Alguns aprendizados que compartilho com meus colegas: não hesitem em delegar responsabilidades, construir uma rede de apoio e procurar aconselhamento com outros profissionais de saúde. O consultório muitas vezes é algo solitário. Além disso, nossas numerosas obrigações, como estudo de casos, plantões, atendimento clínico, administração financeira e até mesmo a simples tarefa de manter a sala de espera abastecida, pesam mais ao final do dia do que muitos podem imaginar. Cuidar de nossa saúde mental é tão crucial quanto cuidar da física.
Sou Fábio Soccol, médico e co-fundador da Livance, uma startup dedicada à gestão de consultórios para médicos e profissionais de saúde. Cuidar de quem cuida nunca foi tão necessário.