A cada ano são registrados aproximadamente 95 mil óbitos de crianças e adolescentes com idade entre zero e 19 anos. Entre as principais causas registradas no período de 1999 a 2018, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), estão os chamados problemas perinatais, geralmente relacionadas a infecções, problemas placentários, restrição do crescimento intrauterino, fumo, anomalias congênitas e doenças maternas. Na avaliação da presidente da SBP, dra. Luciana Rodrigues Silva, o cenário – demonstrado por meio dos números – revela uma triste realidade, há tempos conhecida por muitas famílias brasileiras, sobretudo as que dependem da rede pública.
“No Brasil, as políticas de assistência à saúde infantojuvenil ainda são embrionárias e, por isso, as crianças e adolescentes continuam a morrer aos milhares em decorrência de agravos para os quais há tratamento, como doenças parasitárias, má assistência na hora do parto e infecções virais. Essa lamentável situação é reflexo da inoperância do Estado e da insistente falta de investimento em infraestrutura e em profissionais capacitados para a condução de casos muitas vezes simples”, frisa.
Os dados levantados pela SBP foram apresentados ao Ministério da Saúde durante o ano de 2021, na perspectiva de alertas às autoridades a respeito da precariedade sistêmica da Atenção Primária em Saúde (APS), especialmente no contexto da assistência ofertada a crianças e adolescentes. De acordo com a SBP, a falta de estruturação do atendimento pediátrico no SUS, ao longo de diferentes governos, têm contribuído para a manutenção dos altos índices de morbimortalidade dessa faixa etária no País.
PROPOSTA DA SBP – Diante desse cenário, a SBP propôs que o Governo Federal incorpore cerca de dois mil a três mil pediatras ao Programa Médicos Pelo Brasil, atualmente em fase de elaboração/implementação; ou um pediatra para cada quatro Equipes de Saúde da Família, o que representaria quatro mil novos postos. Ao todo, o Ministério da Saúde prevê uma relação de 18 mil vagas para médicos de várias especialidades dentro do Programa.
No entendimento da SBP, essa inclusão é fundamental para suprir as demandas de todas as faixas etárias da população pediátrica. Para este grupo, o pediatra – especialista capacitado e treinado em três anos de residência em Pediatria, além da graduação – surge como o profissional ideal para seu acompanhamento. Além disso, a entidade orienta que seja observado um novo calendário de consultas de puericultura, contemplando todas as fases do desenvolvimento.
“A participação integrada e complementar do pediatra nas equipes da Estratégia Saúde da Família, por meio do Programa Médicos pelo Brasil, poderá impactar positivamente a assistência ao público infantojuvenil no SUS. A SBP propõe que a integração desses especialistas seja realizada em função das características regionais de acesso e da existência de uma rede integrada e organizada entre os municípios. A sugestão principal é que se distribua um pediatra para cada quatro ou seis equipes”, diz a médica.
Conforme salienta a especialista, a inexistência de um plano de carreira para médicos pediatras no SUS representa um dos fatores centrais que reduzem a qualidade do atendimento oferecido na rede pública. Atualmente, o modelo de ESF não inclui de forma eficiente os pediatras nos cuidados relativos à infância e adolescência.
“Incluir esses profissionais no Atenção Primária é condição inalienável para assegurar a saúde e bem-estar das crianças, tendo a primeira infância um lugar de destaque em relação a esses cuidados. Por outro lado, os adolescentes – por vivenciarem uma etapa de suma importância de amadurecimento – também devem ser atendidos por meio de ações especializadas”, ressalta.
DOENÇAS NÃO DIAGNOSTICADAS – De acordo com o levantamento da SBP, de 1999 a 2018, os achados anormais (não especificados) em exames clínicos e laboratoriais representaram a quinta maior causa de óbitos de crianças e adolescentes no Brasil. Ao todo, foram 105,4 mil mortes. Segundo explica uma norma do Ministério da Saúde, o número refere-se a óbitos com diagnósticos inconclusivos.
Na avaliação da dra. Luciana, o dado representa um dos mais preocupantes, pois sinaliza claramente a falta de atendimento adequado. “Essas milhares de famílias não chegaram a conhecer a real causa dos agravos que levaram seus filhos a óbito. São mortes sem diagnóstico, que poderiam ser evitadas com o acompanhamento regular realizado por profissionais especializados na saúde infantojuvenil”, diz.
CONSULTAS – Segundo recomenda o próprio Ministério da Saúde, até os seis anos de idade, as crianças devem ter no mínimo 13 consultas de puericultura, ou seja, acompanhamento regular com o pediatra para promoção do bem-estar e saúde integral do indivíduo durante o seu processo de desenvolvimento. De acordo com a indicação oficial, são necessárias sete consultas no primeiro ano de vida, duas consultas no segundo ano e uma consulta por ano até os seis anos.
“Apesar dessa orientação, o número de pediatras alocados pelo SUS é insuficiente para assistir as crianças e adolescentes, que no País em sua maioria é atendida pela rede pública. A falta desse acompanhamento traz desdobramentos, que são visíveis nos indicadores de morbidade e de mortalidade”, pondera a presidente da SBP.
De acordo com a Demografia Médica 2018, do Conselho Federal de Medicina (CFM), o Brasil tem alta densidade de pediatras. Os 26 estados e o Distrito Federal possuem, em média, 20,8 especialistas por grupo de 100 mil habitantes, índice comparável ao de países europeus com maiores taxas de desenvolvimento socioeconômico. Tendo como parâmetro esse panorama, é possível concluir que o problema não reside na falta de especialistas, mas sim na falta de um plano público de carreira e salário para a incorporação dessa mão de obra ao SUS.
INTERNAÇÕES – A fragilidade dos cuidados em saúde disponíveis para a população pediátrica também pode ser observada no alto número de hospitalizações. Em média, foram realizadas 2,6 milhões de internações ao ano, entre 2010 e 2019.
No período, considerando apenas a faixa etária de 0 a 4 anos, as hospitalizações foram motivadas principalmente por doenças do aparelho respiratório, com 3,9 milhões de pacientes; intercorrências perinatais, com 2,4 milhões de internações; e patologias infecciosas e parasitárias, com 1,9 milhão. De 5 a 9 anos, as causas que aparecem nas primeiras colocações são: doenças do aparelho respiratório, com 989 mil hospitalizações; patologias infecciosas e parasitárias, com 607 mil pacientes; e causas externas, com 488 mil internações.
“Esse dado em especial revela como a falta de assistência adequada pode levar ao agravamento do estado clínico de um paciente, que a princípio, demanda um tratamento simples. Essa lacuna na gestão do SUS acaba por gerar sobrecarga nos níveis mais avançados da Atenção, acarretando altas despesas com tratamentos complexos, que poderiam ser evitados. Mais um fator que demonstra a importância do acompanhamento contínuo dos pacientes na Atenção Primária”, pondera a presidente da SBP.
ADOLESCÊNCIA – De 15 a 19 anos de idade, as internações foram motivadas especialmente por atendimentos relacionados ao parto e puerpério, com 5,3 milhões de pacientes ou 59,2% do total de hospitalizações no período (2010 a 2019). A gravidez na adolescência é considerada um fator de aumento da situação de vulnerabilidade das jovens mães e seus bebês, principalmente no caso de famílias com baixa renda.
Além do aspecto social, são muitos e conhecidos os riscos à saúde de mãe e filho, como a elevação da pressão arterial e crises convulsivas (eclâmpsia e pré-eclâmpsia), a prematuridade e o baixo peso ao nascer. Nesse sentido, o pediatra possui papel de protagonista tanto na prevenção, orientando os adolescentes a respeito de métodos contraceptivos, quanto no atendimento dos casos de gravidez precoce. O acompanhamento especializado é fundamental para evitar que esses pacientes sofram com complicações.
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