As empresas poderão obrigar os seus funcionários a se imunizar?

Gabriel Martins e Aysla Sabine

Ainda não há sequer data para ocorrer no Brasil, mas a vacinação contra o coronavírus, que já teve início em alguns países, é, sem dúvidas, um dos temas mais debatidos e aguardados para 2021.

Não poderia ser diferente. Desde em 26 de fevereiro de 2020, quando se confirmou a chegada do vírus em terras brasileiras, o Sars-Cov-2 inaugurou um período de incertezas, crises e desdobramentos que, após menos de um ano, já causou, até o momento, a morte de mais de 200 mil brasileiros, número que não para de crescer.

Ainda assim, conforme pesquisa realizada pelo Datafolha, a parcela de brasileiros que não pretendem se vacinar cresceu de 9% em agosto para 22% na segunda semana de dezembro, motivo pelo qual a discussão acerca da obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 chegou ao STF, tamanha a repercussão social do tema.

Em vista de sua relevância e do potencial imunizador de toda uma população, o plenário do STF, ao julgar as ADIs 6586 e 6587 e ARE 1267879, decidiu pela constitucionalidade da vacinação compulsória da população contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020, tendo ficado definido também que União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm autonomia para implementar campanhas locais de vacinação.

Dessa forma, os entes federados podem determinar a vacinação compulsória da população contra a Covid-19, não se tratando de vacinação forçada, visto que facultada a recusa do usuário. É possível, contudo, a imposição de medidas restritivas previstas em lei, tais como multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola, dentre outras restrições.

De forma análoga, levando a discussão para as relações laborais, paira o questionamento acerca da possibilidade de uma empresa obrigar os seus funcionários a se vacinarem contra o Covid-19, além de emergir discussões acerca das consequências cabíveis no caso da eventual recusa por parte de algum dos obreiros.

Na esteira do decidido pelo STF, a empresa, assim como os entes federados, não pode obrigar o funcionário a se vacinar, mas esse funcionário, assim como o restante dos cidadãos, caso recuse a imunização em um local em que tenha sido definida como obrigatória, poderá sofrer sanções, a serem aplicáveis pela empresa.

Isso porque é dever do empregador, conforme preceitua o art. 7º, XXII, da CF/88, a garantia de um ambiente de trabalho seguro para todos os seus profissionais, de modo a evitar quaisquer riscos ambientais, incluso o contágio à doenças, sendo certo que, em um cenário em que a vacinação esteja em vigor, é plenamente justificável que a empresa vincule o retorno de seus trabalhadores à vacinação ou a um atestado que justifique sua impossibilidade.

A empresa, então, estaria autorizada a aplicar penalidades trabalhistas ao funcionário que se recuse à imunização sem justificativas válidas, tais como advertência, a suspensão ou, ainda, a dispensa por justa causa, amparada no art. 482, alínea “h”, todas sob o fundamento maior de que a recusa daquele funcionário estaria a colocar toda a equipe em risco, tornando o ambiente laboral insalubre.

Remete-se a situação semelhante: da mesma forma que o empregador pode – deve – aplicar punições a funcionário que se recuse a utilizar EPIs, conforme permitido pelo artigo 158, parágrafo único, da CLT, também o pode fazer ante a recusa à vacinação, compreendida como um instrumento de proteção coletiva.

Outra possível solução seria manter ou transferir os funcionários que recusassem a vacinação para o regime de home office, condicionando o retorno à imunização. Todavia, vislumbra-se dois problemas: não são todas as empresas e todas as funções que permitem o trabalho remoto; e poderia ser alegado tratamento diferenciado entre os funcionários, caso alguns recebessem punições e outros o home office.

A discussão fica mais acalorada quanto à possibilidade de questionamento em juízo das penalidades aplicadas, especialmente a suspensão e a dispensa por justa causa, que apresentam efeitos pecuniários mais sensíveis.

O que se vislumbra é uma nova onda de judicialização trabalhista para a resolução dos conflitos que surgirão das aplicações de penalidade, advindas das eventuais recusas à vacina.

Assim, para diminuição dos riscos, o empregador pode adotar como medida a formulação de aditivos contratuais, elaborados com o auxílio de um advogado, que explicitem a obrigatoriedade da vacinação, vinculando o funcionário que deseje permanecer no emprego a seus termos. Formalizar a necessidade de imunização enquanto norma de segurança do trabalho e de saúde pública pode conferir mais legitimidade às sanções que o empregador vier a precisar aplicar.

Certo é que a empresa, comprometida com a sua função social e obrigação constitucional, deve, além de conscientizar a sua equipe acerca da importância da imunização, zelar pela saúde de seus empregados, afim de proporcionar um ambiente de trabalho livre de contaminação pelo Covid-19.

Gabriel Sad Salomão Martins é advogado trabalhista no escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados, com experiência na área de Direito do Trabalho. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG e graduando em Processos Gerenciais pela UEMG.

Aysla Sabine Rocha Teixeira é advogada trabalhista no escritório GVM | Guimarães Vieira de Mello Advogados, com experiência na área de Direito do Trabalho, confeccionando as mais diversas peças e trabalhando na realização de Audiências, Despachos com Magistrados e Sustentação Oral. Formado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestranda em Direito do Trabalho pela mesma universidade

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