Dor lombar é sinal de hérnia de disco? Não necessariamente, explica pesquisador da Unifesp

De Rafael

Raras são as pessoas que ao longo da vida não sentem algum desconforto e dor na região lombar. Alguns ditos populares dizem que a lombalgia está ligada à presença de hérnia de disco. Será? Resolvemos conversar com Renato Hiroshi Salvioni Ueta, ortopedista, traumatologista e chefe do Grupo da Coluna da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Recentemente uma reportagem da CNN Brasil mostrou que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), oito em cada dez pessoas no mundo sofrem com hérnia de disco. “Talvez não duvidando do dado da OMS, mas o diagnóstico de hérnia de disco muitas vezes se confunde com o diagnóstico de dor lombar. E esse pensamento é um pensamento um pouco errado. A dor lombar não é justificada por uma hérnia de disco. Eventualmente a estatística que se coloca é um pouco nos pacientes que apresentam dor lombar e aí sim é uma coisa bastante prevalente e eu concordo com essa estatística”, analisa Ueta.

“Quando nós vamos falar da hérnia de disco em si, o seu diagnóstico é feito do ponto de vista clínico, com a história, o exame físico e corroborado pelos exames de imagem. Uma coisa um pouco mais complexa e não chega a essa proporção na verdade”, explica o pesquisador, que é membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia e da Sociedade Brasileira de Coluna. Para ele, os quadros de hérnia de disco são uma exceção e revela o motivo: “O quadro clínico é muito diferente do que a população considera. Muita gente associa hérnia de disco a uma doença do paciente idoso. E não. A hérnia de disco é uma doença muito mais prevalente no paciente jovem, no adulto jovem, dos 20 aos 40 anos de idade. E isso advém muito por quê? A hérnia de disco é uma doença degenerativa do disco intervertebral. Ela é uma doença que vem desse desgaste do disco intervertebral precoce. Então ela tem muito mais um componente genético do que qualquer outra coisa. A incidência da hérnia de disco clássica como nós temos se mantém estável porque é uma doença de caráter muito mais genético do que propriamente a gente considera”, compara Ueta.

Ele alerta que alguns fatores podem piorar o quadro da dor lombar e levar ao surgimento de hérnia de disco, como sedentarismo, a má postura e, nestes tempos de home office forçado em função a pandemia, a falta de exercícios físicos e a ausência de ergonomia da maioria dos móveis domésticos em função de adaptações feitas para o exercício do trabalho remoto. O pesquisador indica que as dores irradiadas radiculares são um dos principais sintomas da presença da hérnia de disco. “Temos visto nos consultórios de ortopedia de coluna um aumento desses pacientes tanto com a dor radicular [radícula é a dor ciática] como também com a dor lombar”, destaca Ueta.

O pesquisador da Unifesp mostra ainda a importância da musculatura na proteção da coluna: “Nosso corpo, nossa coluna, ela por si só, a vértebra, o disco intervertebral, ela é uma estrutura de certa maneira inerte. Quem dá estrutura, quem dá função para ela, quem estabiliza a nossa coluna, é a musculatura que está ao redor dela, a musculatura pélvica, a musculatura lombar, a musculatura abdominal. Isso é muito importante e a gente negligencia muito a musculatura abdominal e isso é o que sustenta a nossa coluna. Uma vez que você perde essa estrutura, esse arcabouço muscular, você vai gerar uma sobrecarga maior na coluna, incidindo maiores problemas nessa porção do nosso esqueleto”.

Renato Ueta ressalta que a dor lombar em si não é justificada somente pela hérnia de disco. Ele aponta que ela pode ser uma das fases da doença: “O sintoma principal é a dor ciática, aquela ciatalgia. Isso, praticamente, é uma condição sine qua non que confunde muito. E eu volto a falar: por que isso é muito importante? Um diagnóstico errado leva a um tratamento errado. É por isso que essa avaliação clínica muito mais ampla é muito importante para fechar o diagnóstico específico de uma hérnia de disco, tirando aquele termo popular em que todo mundo acha que a dor lombar é hérnia de disco”.

A hérnia de disco é muito comum até mesmo em atletas e pessoas muito ativas. “Isso é inerente ao indivíduo”, fala Ueta, que enfatiza a necessidade de consciência corporal da pessoa e atividade física regular para que a musculatura de sustentação da coluna evite a sobrecarga dos discos intervertebrais. “Por incrível que parece o sobrepeso não é tão importante. Mais importante que o sobrepeso é o sedentarismo. Por vezes você tem aquele paciente que é mais pesado, mas ele é ativo, tem uma atividade física regular, ele vai criar uma estrutura muscular condizente com o peso. O que não pode acontecer é você ter um paciente sedentário onde, seja ele obeso seja ele magro, ele vai ter um desequilíbrio muscular. Ele vai ter, com isso, sobrecarga em cima da coluna”, adverte Ueta.

Por fim, o pesquisador diz que a cirurgia de hérnia de disco se faz necessária em alguns quadros onde outras opções de tratamentos não surtiram efeito. “A cirurgia é uma forma, uma etapa do tratamento da hérnia de disco, porém ela é reservada em caráter de exceção, quando você tem a falha de todos os tratamentos não cirúrgicos, sejam eles fisioterapia, atividade física, Pilates, acupuntura, medicação, quando você esgota todas as opções e tem esse não controle da dor. Aí sim você vai pensar no tratamento cirúrgico”, esclarece Ueta.

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