Redefinir o modelo de remuneração na Saúde Suplementar é necessário

por Filipe Venturini Signorelli *

Um sistema de saúde não sustentável mata, segrega vidas e atendimentos de qualidade. O bem-estar do paciente começa pelas formas com que as relações econômicas dos atores que compõem a cadeia da saúde acontecem. O que vemos, muitas vezes, é o paciente se tornar apenas um número, sendo coisificado em um patamar de ‘lucros e despesas’.

O Instituto Ética Saúde (IES) – como interlocutor entre todo o setor da saúde, proporcionando o diálogo sobre as conduções, em particular nas relações econômicas – propõe um debate, com engajamento profundo sobre um novo sistema de remuneração, no Brasil, junto a todos os interessados, acompanhando um caminho de discursões já existentes e capitaneada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A coordenadora e professora na área de Direito da Escola de Negócios e Seguros (ENS), Angélica Carlini, em recente artigo, levantou uma questão importante: “o Sistema Único de Saúde está preparado para receber a demanda de beneficiários de planos de saúde que não poderão mais custear seus planos e voltarão a utilizar integralmente a saúde pública? Esperamos que sim, tanto quanto esperamos que a sociedade brasileira compreenda com urgência que não podemos seguir sendo um país que preserva direitos, despreza deveres e nega consequências. A diferença do remédio e do veneno é a dosagem”.

Mas, há disposição concreta para que sejam revistos tais formatos? Estes se enquadram no modelo em que foi construída a cadeia de valor na saúde no Brasil, em nosso formato legal e cultural? Quem está disposto a mudar para verificar a real efetividade?

Devemos sim refletir, prever e assumir as consequências, caso haja um encarecimento exponencial dos planos de saúde, como temos observado nos últimos tempos. Mas quais são estes modelos de remuneração que podemos utilizar na saúde suplementar? Seriam viáveis a realidade do Brasil?

O atual meio de pagamento é conhecido como ‘por procedimento’ ou fee for service, que se baseia na quantidade de serviços prestados. Segundo o médico, Ricardo de Oliveira Bessa, “é um sistema realizado de forma retrospectiva ou de pós pagamento, por procedimento individual, item a item. Neste tipo de remuneração há a tendência de produção excessiva, indução desnecessária de atos realizados”.

O mesmo autor cita também a Capitação ou capitation, que envolve o pagamento de uma quantia fixa por pessoa inscrita. “O médico deve gerenciar a utilização dos serviços e há interesse por parte dele em eliminar os exames e procedimentos desnecessários, bem como em incentivar medidas de prevenção e promoção à saúde para diminuir a utilização de serviços e permitir a continuidade da atenção. Neste modelo, frequentemente, verificam-se a subutilização de cuidados necessários (consultas de rotina, retornos, exames, internações, etc.) e a seleção adversa de risco, pois se buscam os pacientes de menor custo, em detrimento daqueles de maior custo. Evita-se encaminhar para especialistas com vistas à maximização de ganhos”.

Mais uma opção apontada pelo autor é o pagamento por salário, que é a forma de remuneração mais tradicional, mas que também tem suas limitações; e também o modelo de ‘pacote’ envolve acordos pré-estabelecidos entre prestadores de serviços de saúde e pagadores, com uma das partes assumindo um risco maior em relação ao volume de demandas.

Uma alternativa interessante é o pay for performance (pagamento por desempenho). Conforme Bessa, “as premissas básicas são: foco no paciente; envolvimento dos médicos na construção e no desenho do programa; participação voluntária; indicadores baseados em solida evidência científica e premiação pela alta qualidade do cuidado. O programa demanda uma infraestrutura tecnológica eficiente, para a análise adequada das informações obtidas, comparações e demonstrações de melhorias obtidas nos indicadores de saúde – sem comprometer o sigilo médico. Os prestadores recebem um pagamento de base e, quando alcançam determinados benchmarks para medidas de processos do cuidado prestado e para medidas de resultados do cuidado ao paciente, recebem adicionalmente certas recompensas. Isso pode incluir o pagamento de incentivos financeiros e a classificação da qualidade de prestadores específicos. Programas de remuneração por desempenho são úteis para promover um uso mais eficiente dos recursos destinados à saúde e melhorar os resultados aos pacientes”.

Tem ganhado destaque o fee for value (pagamento por valor), que busca incentivar a colaboração entre todos os atores da cadeia de saúde, com o pagamento baseado em resultados efetivos para o paciente. De acordo com o biomédico, Cristiano Teodoro Russo, a remuneração aqui tem como escopo central “valores baseados na qualidade dos serviços e no sucesso do desfecho clínico, e não somente no custo operacional e demanda. Seriam calculados pela taxa de sucesso de tratamentos, diagnósticos, atendimentos e do impacto de cada momento destes na percepção de satisfação do cliente/paciente. Ou seja, quanto melhor o serviço, mais ele poderia custar, entendendo que toda a cadeia envolvida elevaria seu desempenho”.

A mudança de um sistema de pagamento requer uma mudança cultural e a vontade de toda a cadeia de saúde de experimentar um novo modelo. A sustentabilidade das operadoras de saúde está em risco e isso coloca em perigo toda a população beneficiária.

Os modelos aqui trazidos como exemplos não devem se esgotar. A discussão entre os atores envolvidos deve ser o ponto de partida para um modelo próprio, que se adeque a realidade no Brasil. Assim, aqui fica o apelo para que todos os interessados passem a compor os grupos de discussões já existentes, para que um denominador comum no modelo de remuneração seja identificado, o que, sem a menor dúvida, será um divisor de águas como proposta de um modelo de gestão sustentável para saúde suplementar no Brasil, com reflexo direto em todo setor da saúde, seja ele privado ou público.

* Filipe Venturini Signorelli – diretor executivo do Instituto Ética Saúde. Advogado, professor e pesquisador. Mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Governança, Gestão Pública e Direito Administrativo; Direito Público; Ciências criminais e docência superior. Linha de pesquisa: Autorregularão Privada, Controle Social e Administração Pública. Conselheiro no IPMA Brasil – International Project Management Associate.