Por Ana Carolina Peuker, psicóloga e CEO da BeeTouch*
O atual momento de enfrentamento da COVID-19 traz consigo inúmeros desafios. A necessidade de isolamento social, de adaptação às novas formas de trabalho, seja em home office ou modelo híbrido, a ameaça iminente de contaminação e todas as perdas impostas pelo vírus, repercutem na saúde emocional das pessoas. É impossível negar que todas estas contingências podem impactar negativamente nos negócios.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 300 milhões de pessoas sofrem de depressão e 260 milhões de transtornos de ansiedade. Em conjunto, estes agravos causam à economia prejuízo anual de US﹩1 trilhão com a perda de produtividade. A pandemia exacerbou a prevalência dos transtornos mentais e os custos com estas doenças podem chegar a 6 trilhões de dólares até 2030. Diante dos planos de contenção da doença e de medidas econômicas mais drásticas cria-se um cenário de muita instabilidade e incerteza, no qual as pessoas acabam sofrendo uma “carga extra” de preocupações, além daquelas habituais. Por isso, não sabem como lidar com suas emoções, entre elas, tristeza, medo, irritabilidade, impotência, desamparo, geralmente mais intensas, nestes períodos de crise.
Níveis de estresse elevados prejudicam o funcionamento cognitivo mental e impedem que novos aprendizados e processos criativos, mais adaptativos, ocorram. O estresse gerado pelo cenário de crise pode incluir medo e preocupação sobre a própria saúde e dos seus entes queridos; mudanças no padrão de sono ou na rotina alimentar; e dificuldades de concentração; aumento do consumo de álcool, tabaco e/ou outras drogas. Tanto para as pessoas como para as empresas, é necessário identificar os níveis de estresse e avaliar se estão afetando o bem estar e colocando a vida dos trabalhadores em risco.
O conhecimento sobre saúde mental é importante, especialmente, em momentos de crise no qual há sobrecarga emocional. As pessoas precisam saber reconhecer quando o “copo” está prestes a “transbordar” e como manter seu equilíbrio físico e mental. Para isso, precisam saber identificar fontes de estresse e gerenciá-las. Os níveis de estresse variam de acordo com as circunstâncias, mas cada pessoa deve aprender a reconhecer seus gatilhos emocionais para manejar as situações estressoras e criar estratégias efetivas para lidar com isso. Por isso, ações de conscientização e redução do estigma da saúde mental no ambiente de trabalho são imprescindíveis.
A atenção às questões de saúde mental é decisiva para a manutenção da força produtiva pós covid-19. Em especial, para as empresas que objetivam o desenvolvimento sustentável e seguem diretrizes ambientais, sociais e de governança (ESG) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Esse momento também pode representar uma oportunidade rica para os gestores, para refletirem sobre temas emergentes e suas repercussões emocionais como novas formas de trabalho, entre outros. A partir disso, devem atuar na promoção e prevenção em saúde mental favorecendo o bem estar psicológico, o engajamento e a produtividade de seus colaboradores.
O desequilíbrio na saúde mental tem um efeito cascata, que afeta desde o nível individual – gerando conflitos pessoais/familiares até o nível mais amplo, das organizações – acarretando perdas expressivas na produtividade e afastamentos por motivos de doença. A Organização Internacional do Trabalho destacou no relatório intitulado “Managing psychossocial risks during the COVID-19 pandemic” que estes aspectos devem ser periodicamente monitorados – mas, nem sempre são observados pelas organizações. A OIT ressalta que há algumas áreas importantes que devem ser avaliadas e abordadas pelas empresas, são elas:
• Equipamentos e ambiente
• Carga de trabalho, ritmo de trabalho e gerenciamento do tempo
• Violência e assédio
• Equilíbrio vida pessoal e profissional
• Segurança no trabalho
• Gestão e liderança
• Comunicação, informação e treinamento
• Promoção da saúde e prevenção de comportamentos negativos
• Suporte social
• Suporte psicológico
A tecnologia pode ser uma grande aliada na gestão dos fatores psicossociais do trabalho, pois permite diagnosticar, rastrear e predizer digitalmente os riscos psicológicos – de forma mais ágil e precisa. Através de software, pode-se identificar aqueles que estão potencialmente ameaçados, conscientizar gestores e trabalhadores dos riscos psicossociais e dos sinais de alerta precoce, estabelecer as prioridades, determinar os riscos que suscitam maior preocupação e requerem atenção prioritária e, por fim, estabelecer um plano de medidas preventivas para evitar que ocorram riscos psicossociais. A gestão efetiva dos riscos psicossociais traz muitas oportunidades de melhoria e redução de custos através da prevenção de acidentes, redução do absenteísmo e do presenteísmo, por exemplo.
Em suma, o momento de crise que temos vivenciado requer que os gestores pensem em planos de ação emergenciais, que possam ir além daqueles que incluem a gestão de riscos identificáveis a “olho nu” como físicos, químicos e biológicos. A avaliação de risco psicológico, que é geralmente “invisível”, deve ser parte integrante de um bom plano de gestão de saúde e de segurança ocupacional. Esses planos auxiliam a criar consciência dos riscos e suas potenciais consequências, identificar quem pode estar em risco, determinar se as medidas de controle existentes são adequadas ou se algo mais deve ser feito, prevenir outros agravos à saúde e/ou doenças e a hierarquizar, priorizar riscos e definir medidas de controle. O objetivo do processo de avaliação de riscos é remover um perigo ou reduzir o seu nível de risco pela adição de precauções ou medidas de controle efetivas. Ao fazer isso, poderá ser – de fato – implementado um ambiente de trabalho psicossocial seguro.
* CEO da Bee Touch, é co-criadora da AVAX PSI, a plataforma pioneira de avaliações psicológicas do Brasil. É entusiasta do fortalecimento da inovação na área da saúde mental. Especialista em Psicologia Clínica. Realizou Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado no Laboratório de Psicologia *Experimental, Neurociências e Comportamento (LPNeC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Realizou Pós Doutorado no Grupo de Estudos Avançados em Psicologia da Saúde – GEAPSA (UNISINOS). Quanto ao currículo, foi professora do Instituto de Psicologia da UFRGS, atuou como pesquisadora e professora do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas (CPAD), do Departamento de Psiquiatria (UFRGS) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS). Ana Carolina é membro da Comissão de Avaliação Psicológica (CAP) e do Grupo de trabalho em avaliação psicológica dos riscos psicossociais do Conselho Regional de Psicologia do RS (CRP/07). Além disso, integra o Grupo de Trabalho de Enfrentamento à COVID-19 da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e recentemente, faz parte do Artemis Project, programa Canadense de aceleração, que tem como objetivo favorecer a participação de negócios liderados por mulheres na cadeia de fornecedores da indústria de mineração.