Dia Mundial do Rim alerta para desafios enfrentados por pacientes renais

De Rafael

Novos investimentos são primordiais para aumentar a longevidade. Estado do Rio de Janeiro, com seu cofinanciamento atrelado a melhores indicadores assistenciais como fístula e transplantes, é exemplo a ser copiado

 

Por Ana Beatriz Barra e Jorge Strogoff

Ela é médica nefrologista, doutora pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretora médica da Fresenius Medical Care.

Ele é médico nefrologista, professor associado do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da UFF

Em 9 de março de 2023 haverá 24h globalmente dedicadas a refletir, discutir e propor mudanças nas políticas públicas focadas na saúde renal da população, quando se comemora o Dia Mundial do Rim. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) lidera essa campanha para alertar a importância da prevenção, de se cuidar melhor dos rins e aumentar a saúde, o bem-estar e a longevidade das pessoas, reforçando que esse cuidado deve se estender a todos, independentemente da condição socioeconômica. A campanha traz, em 2023, reflexões sobre a vulnerabilidade a que a população mais carente está submetida, muitas vezes sem qualquer acompanhamento preventivo da sua saúde renal. Mas também serve para alertar sobre a atenção necessária aos pacientes já com doença renal avançada, que dependem, além de um tratamento contínuo em clínicas de diálise, de um bom suporte de toda uma rede de saúde. São pacientes que frequentemente possuem várias comorbidades, como diabetes e hipertensão, além de uma imunidade já comprometida pela doença renal. Recentemente, na pandemia de Covid-19, apesar de todos os esforços das equipes de saúde, tivemos um índice de letalidade cerca de três vezes mais elevado entre os pacientes renais, quando comparados ao restante da população brasileira, reforçando que esse público é bem mais vulnerável.

Os nefrologistas são os especialistas que acompanham mais de perto os desafios enfrentados pelos pacientes renais crônicos que dependem da diálise. As clínicas dedicadas a este tratamento necessitam de equipes amplas de profissionais especializados que atuam na enfermagem, medicina, nutrição, fisioterapia, psicologia e assistência social. Este cuidado integral favorece o alcance de melhores resultados. Boa parte do sucesso deste tratamento depende dessas equipes capacitadas e dos equipamentos, tecnologias e insumos utilizados nos serviços de diálise. Uma outra parte, depende da adesão do paciente aos cuidados recomendados, incluindo-se o uso correto de medicamentos, a dieta, e, especialmente, a disposição emocional de conviver com o tratamento e manter uma vida significativa, quer seja do ponto de vista social, familiar ou laboral. Porém, essa população, indubitavelmente mais frágil, necessita também de uma rede ampla de apoio para sua saúde, que permita a realização de exames, acompanhamentos médicos especializados, e internações hospitalares quando necessário. De acordo com o USRDS, o maior banco de dados de pacientes em diálise mundial, um paciente em diálise é internado, em média, cerca de 2 vezes ao ano.

Em termos populacionais, para se ampliar a longevidade de um paciente renal crônico, buscando aproximar ao máximo da expectativa de vida da população geral, é necessário garantir toda uma linha de cuidados, focada na prevenção da doença e, também, na assistência completa dos pacientes com falência renal, em níveis ambulatorial e hospitalar.

Em um estudo de cinco anos com mais de 5 mil pacientes incidentes em hemodiálise em 21 clínicas do grupo Fresenius Medical Care no Brasil, conduzida pela Universidade Federal Fluminense e recentemente publicada pelo Brazilian Journal of Nephrology, constatamos que o risco de morte dos pacientes que dependiam do SUS foi 22% maior do que dos pacientes que tinham acesso à rede privada de saúde. Estes pacientes recebiam de forma igualitária o tratamento dialítico – no que tange a médicos, enfermeiros, equipamentos e insumos. Em relação ao perfil, os pacientes que contavam com convênios privados eram mais idosos e tinham mais comorbidades, como o diabetes.

Esse estudo não controlado possui algumas limitações em relação às conclusões. No entanto, chama bastante atenção que na nossa amostra, apesar dos pacientes de convênio privados serem mais idosos e apresentarem mais comorbidades, como o diabetes, e internarem mais frequentemente, a sobrevida deles foi melhor do que a dos pacientes que dependiam exclusivamente do sistema de saúde público. Estes resultados sugerem que no Brasil, diante de algum problema de saúde, aqueles pacientes em programa de hemodiálise que tem acesso a um plano de saúde privado têm maior chance de se recuperarem e manterem a vida. Isso reforça nossa percepção de que a população em diálise precisa de uma atenção mais holística, já que são pacientes sujeitos às complicações das doenças concomitantes e da diálise, como problemas cardiovasculares e infecções.

É importante salientar que o Brasil tem oferecido assistência pública e gratuita de qualidade à maioria dos pacientes renais crônicos tratados em clínicas de diálise particulares e conveniadas ao sistema de saúde público. Dos cerca de 150 mil pacientes do Brasil, 90% recebem atendimento pelo SUS. E, apesar de ter ineficiências, é um modelo de acesso universal à diálise que não existe em inúmeros países, mesmo entre aqueles mais desenvolvidos, e bastante eficaz em muitos aspectos. Além da universalidade de acesso à terapia, o gerenciamento do acesso vascular, essencial para realizar o tratamento de diálise e uma importante fragilidade do sistema de saúde privado, no SUS pode ser conduzido pela própria clínica, ainda que com um reembolso deficiente. A clínica de diálise seleciona os cirurgiões com maior expertise na área, agenda a confecção e monitora os acessos vasculares, providenciando a chamada fístula-arteriovenosa com muito mais rapidez e eficiência. Outro bom exemplo na rede pública de saúde é a realização de transplantes renais.

Como ter um acesso vascular definitivo e transplantar precocemente são medidas que impactam positivamente na saúde dos pacientes com falência renal, o estado do Rio de Janeiro, em uma iniciativa inédita no país, decidiu complementar o reembolso do Ministério da Saúde para os prestadores de serviços que alcançassem os objetivos propostos de acesso vascular precoce e encaminhamento para o transplante renal. Desta forma melhorou a sustentabilidade de toda a cadeia de cuidados com uma medida racional que amenizou, de forma inteligente, o subfinanciamento crônico no país da terapia de diálise.

O clamor dos nefrologistas é que os governos federal, estaduais e municipais realizem investimentos como este, que abarquem as necessidades dos pacientes renais. Tratar o diferente de forma diferente. Um acesso ampliado ao sistema de saúde pode melhorar a história de vida de uma pessoa em diálise.

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