Apenas 4% das escolas estão preparadas para receber crianças com hemofilia, mostra pesquisa

De Rafael

Levantamento inédito ouviu cuidadores de crianças e adolescentes com a doença rara em todo o país; 98% dos pacientes encontram dificuldades nos cuidados com a hemofilia

Uma pesquisa inédita, realizada pela Editora Abril com apoio da farmacêutica Roche e da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), trouxe luz à jornada do paciente com hemofilia no Brasil. As principais barreiras e desafios foram analisados pelos pais e cuidadores de crianças e adolescentes de até 16 anos com hemofilia A, moderada ou grave, ouvidos pela pesquisa entre janeiro e fevereiro deste ano.

A hemofilia é uma doença rara e hereditária, caracterizada por um distúrbio hemorrágico em que o sangue não coagula corretamente, levando as pessoas a sangrarem por mais tempo e em frequência maior do que o normal. No tipo A da doença, há deficiência no fator VIII de coagulação do sangue. No Brasil, existem 13 mil pessoas vivendo com esta condição genética que afeta majoritariamente o sexo masculino, segundo o Ministério da Saúde.

“Pesquisas como esta são de extrema importância porque nos permitem conhecer o verdadeiro impacto que uma doença rara, como a hemofilia, pode gerar aos pacientes e seus cuidadores”, afirma Michelle França, diretora médica da Roche Farma Brasil. Segundo os cuidadores que responderam ao levantamento, esses impactos são sentidos nos aspectos mais cotidianos da rotina familiar, como o trabalho e a escola.

Metade dos responsáveis precisaram interromper a vida profissional para acompanhar o paciente, enquanto 9% chegaram a perder o emprego devido às ausências ligadas a esses cuidados, o que afeta diretamente a renda familiar. Além das questões socioeconômicas, pais e mães não se sentem totalmente seguros em deixar seus filhos na escola. De acordo com a pesquisa, apenas 4% das instituições de ensino têm profissionais capacitados para socorrer e acompanhar os alunos com hemofilia, incluindo relatos de rejeição da matrícula quando os sangramentos e os cuidados para o manejo da doença são mencionados.

“Precisamos continuar aprimorando as políticas públicas que ofereçam maior proteção na primeira infância para as crianças com hemofilia, para que tenham o direito de brincar, ir para a escola e assim se desenvolvam biopsicossocialmente”, afirma Tania Pietrobelli, presidente da FBH, organização que atua em 25 estados brasileiros como representante da comunidade de pessoas com transtornos de coagulação hereditários, incluindo a hemofilia. “A escola precisa receber informação atualizada sobre a hemofilia, seu tratamento e cuidados. Tendo este conhecimento, poderá acolher e incluir a criança com segurança, sem superproteção, para que ela socialize e se desenvolva integralmente, desmistificando a hemofilia para a comunidade escolar”, finaliza. Entre as crianças que frequentam a escola, 70% já precisaram faltar devido a alguma questão ligada à hemofilia.

Com relação ao tratamento, 98% do público relata dificuldades com a terapia hoje. Na visão dos cuidadores, o maior desejo de melhora se volta à prevenção de sangramentos. “Em muitos casos, os pacientes precisam ser levados com frequência aos hemocentros para receber as infusões que servem para repor os fatores sanguíneos faltantes, seja para evitar ou tratar sangramentos”, afirma a Dra. Francine Doty Campoy, médica hematologista e pediatra do HEMOSC Blumenau. Um terço dos cuidadores afirmaram que precisam levar a criança ao menos uma vez por mês ao hemocentro, enquanto 14% levam semanalmente. Além disso, 58% passam mais de uma hora em deslocamento da casa da criança até o centro médico, e a visita não costuma ser curta: dois terços dos cuidadores passam entre 1 e 3 horas no hemocentro, o que também impõe dificuldades na adesão ao tratamento.

“A pesquisa mostra certas preocupações e desejos que escutamos muito dos pais e responsáveis por crianças e adolescentes com hemofilia”, afirma a presidente da FBH. “Esses dados são de suma importância para entendermos com profundidade o cenário atual da hemofilia e buscarmos incluir, para essa comunidade, novas tecnologias menos invasivas e com uma farmacocinética mais ampliada, que melhorem a qualidade de vida, dando maior autonomia e independência tanto para as crianças com hemofilia, como para seus familiares e cuidadores”, completa.

As inovações científicas têm buscado trazer opções mais confortáveis e efetivas para que as crianças, adolescentes e suas famílias tenham uma vida com mais liberdade e qualidade de vida. “Hoje, existem novas terapias que tendem a facilitar a adesão dos pacientes ao tratamento”, explica a médica Francine Campoy. “As terapias inovadoras favorecem uma estabilidade na coagulação, o que propicia mais tranquilidade para a maioria dos pacientes e seus cuidadores”, complementa.

Para as famílias, as inovações nos cuidados com a hemofilia significam enfrentar a condição de uma forma mais otimista. Entre os grandes sonhos que os pais têm para os filhos com a doença, despontam o crescimento sem sequelas e com qualidade de vida, a independência pessoal e profissional e a autonomia para realizar atividades como brincar, fazer exercícios físicos e viajar. “Os cuidadores ainda sonham com uma vida de mais liberdade e tranquilidade para as crianças. Como sociedade, nós temos a oportunidade – e a responsabilidade – de agir para transformar essa realidade”, conclui Michelle França.

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