CNPEM avança no entendimento do mecanismo de ação de moléculas promissoras para tratamento da Doença de Chagas

Estudo recebeu colaboração de indústria farmacêutica e busca medicamentos mais eficazes para doença negligenciada que impacta a vida de milhões de pessoas

Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM), organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) acabam de publicar um estudo na ACS Infectious Deseases onde descrevem um inédito mecanismo de ação capaz de inibir uma das enzimas mais importantes no metabolismo do protozoário Trypanossoma cruzi. Foram identificadas 3 moléculas promissoras para potencial uso em novos medicamentos para o tratamento da Doença de Chagas.

A descoberta foi acelerada pela parceria com a WIPO (World Intelectual Propriety Organization), um fórum global criado pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) para facilitar o compartilhamento de conhecimentos entre centros de pesquisa e empresas respeitando as regras de propriedade intelectual. Por meio do fórum, foi possível que os pesquisadores do CNPEM tivessem acesso a dados experimentais disponibilizados pela farmacêutica GSK.

A Doença de Chagas é endêmica em 21 países das Américas e, de acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde, afeta cerca de seis milhões de pessoas. Apesar do contexto de subnotificação no Brasil, o último levantamento do Ministério da Saúde calcula que o país tenha cerca de quatro milhões de infectados e oito mil mortes por ano.

A forma de transmissão da Doença de Chagas mais conhecida é pela picada de um inseto conhecido por “barbeiro” (Triatoma infestans), mas outras formas de infecção podem ocorrer, por exemplo através do consumo de alimentos não pasteurizados contaminados pelas fezes do inseto. Se não for devidamente tratado, o paciente pode ter sérios comprometimentos nos sistemas cardíaco e digestivo.

Chagas Box

Os pesquisadores do CNPEM estão entre os grupos de pesquisa de vários países que tiveram acesso ao que foi chamado de Chagas Box, uma coleção com cerca de 200 moléculas previamente selecionadas pela indústria farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK) a partir de um banco composto por quase dois milhões de amostras usadas em experimentos.

As moléculas foram selecionadas pela indústria a partir de testes in vitro que confirmaram a capacidade de inibir a replicação do parasita, mas não haviam informações sobre os mecanismos de ação que provocavam esse efeito.

A etapa seguinte era revelar os mecanismos de ação dessas moléculas que pudessem, no futuro, orientar o desenho de fórmulas para uso em medicamentos mais eficientes.

A medicação utilizada para a Doença de Chagas atualmente não pode ser prescrita para uso pediátrico, exige tratamento por 60 dias e costuma provocar efeitos adversos que desestimulam a continuidade.

“O problema dos medicamentos usados para doença de Chagas é que eles são medicamentos que têm uma toxicidade muito alta. Essa toxicidade é decorrente exatamente desse modo de ação, desse mecanismo não específico. Drogas que têm um mecanismo não específico, geralmente estão associadas a um nível de toxicidade mais alto”, esclarece o pesquisador Artur Cordeiro, do Laboratório Nacional de Biociências.

LNBio

O CNPEM, que abriga o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), é um centro de referência na área de biologia estrutural e reúne equipes altamente qualificadas para pesquisas de doenças infecciosas provocadas por vírus, bactérias e parasitas. Além de laboratórios equipados com recursos automatizados e ferramentas computacionais capazes de acelerar o trabalho de triagem de compostos e síntese de moléculas, os pesquisadores têm acesso ao Sirius, fonte de luz síncrotron de última geração, que permite experimentos na fronteira da ciência para investigação da interação de moléculas com seus alvos biológicos.

O alvo

O conhecimento acumulado nos últimos anos pelo grupo do Dr. Artur Cordiero, que ainda conta com a colaboração da Dra. Marjorie Bruder e do Dr. Gustavo Mercaldi, também pesquisadores do LNBio, permitiu eleger algumas enzimas do Trypanossoma cruzi como potenciais alvos do estudo, sendo que a enzima málica se confirmou uma aposta acertada. Foi caracterizada a interação da enzima-alvo com três das moléculas do Chagas Box.

Na fase aguda da doença o parasita obtém energia da glicose presente na corrente sanguínea. À medida que é atacado pelo sistema imune costuma buscar refúgio invadindo células musculares. Nesse ambiente, sem acesso à glicose, ele tem o metabolismo alterado para obter energia de aminoácidos.

“É por isso que o metabolismo de aminoácidos pode revelar mecanismos de ação mais eficientes. A enzima málica faz parte do metabolismo de amionácidos, que é fundamental para a replicação do parasita dentro da célula do hospedeiro”.

No tecido cardíaco, as células invadidas perdem boa parte capacidade de contração, o que deixa a pessoa infectada incapacitada. É nessa fase, já considerada crônica que, em geral, se obtém o diagnóstico de Chagas e que se torna mais difícil combater a doença.

Próximos passos

Antes de serem iniciados os estudos clínicos em humanos, os inibidores de enzima málica, precisam demonstrar eficácia e segurança nos testes pré-clínicos com animais. Os pesquisadores ainda buscam aprofundar os estudos para obter moléculas ainda mais eficientes em inibir a enzima malica.

“O processo para o desenvolvimento de um novo medicamento, do laboratório de pesquisa até a prateleira da farmácia, tem várias etapas. É comum ao longo desse processo, ter que fazer alguns ajustes finos na molécula candidata a fármaco. Conhecendo o mecanismo de ação, podemos fazer estes ajustem de uma maneira mais racional, visando preservar a eficácia do fármaco.”, explica Cordeiro.