De acordo com o último levantamento do Registro Brasileiro de Transplantes, realizado pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, o transplante hepático teve queda de 10% em 2021, se comparado com 2019.
Médicos hepatologistas que atuam no tratamento clínico e cirúrgico estão preocupados com o controle do surto de hepatite que atinge crianças, menores de 10 anos, na Europa e com as consequências caso a doença seja constatada no Brasil.
Até esta semana já haviam sido registrados 169 casos de hepatite aguda desconhecida, em 12 países. A maioria dos casos foi identificada no Reino Unido, país em que 10% das crianças afetadas precisaram passar por transplante.
Por ora, a Organização Mundial de Saúde (OMS) não orienta restringir viagens aos países com casos da doença e destaca que a prioridade no momento é encontrar a causa dos quadros. A preocupação se deve ao fato de que a infecção pode levar a uma série de problemas de saúde, que podem ser fatais.
“Esse surto pode chegar ao Brasil em função da retomada das viagens e deslocamentos. No entanto, não sabemos em quanto tempo isso vai acontecer, especialmente, porque o agente causal ainda é desconhecido”, afirma a médica hepatologista, Cláudia Ivantes, que atua no CIGHEP – Centro de Cirurgia, Gastroenterologia e Hepatologia, localizado no Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba.
Medidas – Segundo a OMS, o principal suspeito até agora seria uma infecção causada pelo adenovírus do tipo 41. “O adenovírus tipo 41 geralmente se apresenta como diarreia, vômito e febre, muitas vezes acompanhados de sintomas respiratórios. Embora existam relatos de casos de hepatite em crianças imunocomprometidas com infecção por adenovírus, o adenovírus tipo 41 não é conhecido como causa de hepatite em crianças saudáveis”, diz o comunicado. A OMS recomenda aos países que os pacientes passem por exames de sangue, soro, urina, fezes e amostras respiratórias, bem como amostras de biópsia hepática (quando disponíveis), com caracterização adicional do vírus, incluindo sequenciamento.
“Por enquanto a associação mais provável é de que a hepatite esteja sendo causada por um adenovírus. Mas isso ainda é apenas uma hipótese e no Brasil também devemos estar atentos a casos suspeitos de hepatite”, afirma Cláudia.
Demanda de transplante maior — O cirurgião e hepatologista, Eduardo Ramos, que também atua no Cighep, referência no país em transplante de fígado, explica que este surto é preocupante pelo forma fulminante que atinge o fígado, levando a uma necessidade urgente de transplante.
“Na Europa o percentual de transplante para este surto está sendo de um em cada 10 casos até o momento. No Brasil os índices são de um caso para cada 10 mil, ou seja, 100 vezes maior”, afirma Eduardo que é Chefe do Serviço de Transplante Hepático do HNSG.
Outro alerta se refere ao impacto da pandemia no sistema de transplante de órgãos. De acordo com o último levantamento do Registro Brasileiro de Transplantes, realizado pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, o transplante hepático teve queda de 10% em 2021, se comparado com 2019. Já os transplantes hepáticos com doadores falecidos tiveram uma queda de 12% em relação aos valores pré-pandemia. Para que se tenha ideia, a Região Norte não realizou transplante hepático neste ano. “Os vírus de hepatite que circulam no Brasil são conhecidos e a hepatite fulminante é muito rara. Um vírus no nível que estamos vendo na Europa sobrecarregaria imensamente o sistema de transplantes do Brasil”, alerta o cirurgião Eduardo Ramos.
Entre os anos de 2020 e 2022 os profissionais do Cighep realizaram 51 transplantes de fígado. A ordem da fila de espera é definida pela gravidade da doença – quanto mais grave, mais cedo o paciente deverá receber o órgão.
Atenção para casos suspeitos — Segundo a hepatologista Cláudia Ivantes, a população deve estar atenta, especialmente pais de crianças com menos de dez anos de idade, que apresentem aumento das enzimas hepáticas. Em geral, a criança também apresenta olhos amarelados (icterícia), diarreia, vômito e dor abdominal. “Todos os casos suspeitos devem ser imediatamente conduzidos por um médico especialista e notificados para as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde”, recomenda Cláudia.
Medidas convencionais de higiene, como boa lavagem das mãos e higiene respiratória, ajudam a reduzir a propagação de muitas das infecções que estamos investigando
O que é hepatite – Conforme a OMS, a hepatite é uma inflamação que atinge o fígado causada por uma variedade de vírus infecciosos (hepatite viral) e agentes não infecciosos. A infecção pode levar a uma série de problemas de saúde, que podem ser fatais. Existem cinco cepas do vírus da hepatite: A, B, C, D e E. Embora todas causem doença hepática, tem modos de transmissão, gravidade, distribuição geográfica e métodos preventivos diversos entre si. Os vírus B e C, diz a OMS, causam doenças crônicas em milhões de pessoas e, juntos, são a principal causa de cirrose hepática, câncer de fígado e mortes relacionadas à hepatite viral. Estima-se que 354 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com hepatite B ou C. A maioria não acessa testes e tratamentos.