Por Cesar Giannotti*
Não é novidade que a tecnologia tem mudado a forma como vivemos. Tem sido assim nos mais diferentes setores, desde os serviços e produtos mais cotidianos que consumimos, até mesmo aqueles complexos processos industriais e de logística que sequer sabemos que existem. Hoje, é praticamente impensável ou, pelo menos, raro quem ainda pague suas contas em dinheiro vivo ou com um talão de cheques que busque no fundo da bolsa.
Muitas vezes, nem percebemos, mas a inovação corre a passos largos em vários setores. Aliás, inovar não é um bicho de sete cabeças. Às vezes, é um ajuste simples que gera uma nova forma de pensar e agir, mas que muda completamente a vida das pessoas. E isso é motivador. Nem todos sabem, mas foi isso que me fez abandonar uma carreira de quase 15 anos em multinacionais para empreender. Porque, de fato, é inspirador poder empreender para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Fato é que todo o setor de saúde foi se movimentando, mas, por ser exaustivamente regulado, a inovação não foi tão rápida por aqui, como na mobilidade e na logística, por exemplo. Até nas finanças, outra área com um arsenal de normas, a atuação da tecnologia tem sido mais veloz. Um exemplo disso é o movimento de open finance, do qual o tão falado pix é apenas uma pequena parte.
A pandemia da Covid-19 trouxe aos países e sistemas de saúde um desafio imenso que abriu ainda mais espaço para a inovação e para a tecnologia, por pura necessidade. Um processo de anos precisou ser acelerado para alguns meses. Com os avanços e regulamentações para a telemedicina, em março de 2020, avolumaram-se os aplicativos, softwares e plataformas que ampliaram o acesso aos serviços de saúde, em tempos de tantas restrições, e que buscaram manter a qualidade a experiência do paciente. De 2018 para 2020, o Brasil viu mais do que dobrar o número de healthtechs em operação, segundo dados do Distrito. Esse movimento foi e é muito oportuno para todo o setor e, principalmente, para os pacientes. Além do que, com as perspectivas da implantação do 5G, isso, definitivamente, é só o começo.
Da febre dos sites de consulta médica do início da década de 2010, hoje, vemos uma série de serviços tecnológicos que, de fato, tem feito a diferença na qualidade de vida das pessoas. Plataformas de telemedicina, tecnologias para receita médica digital, wearables, robôs, aplicativos, sistemas de suporte à decisão médica (Clinical Decision Support Systems) e outros softwares têm atuado de forma cirúrgica em gargalos tradicionais da saúde pública, como na melhoria da adesão do paciente ao tratamento, nas facilidades de acesso ao diagnóstico e ao tratamento, na disponibilização de dados e informações, além de vários outros aspectos que permitem um melhor cuidado aos pacientes e uma melhor gestão dos serviços públicos e privados e de todo o sistema de saúde.
Aliás, buscar a excelência na experiência do paciente tem sido, ultimamente, uma das principais preocupações dos gestores dos hospitais e clínicas brasileiras. O tema já foi anunciado, há algum tempo, pelos princípios do conceito americano Value-Based Healthcare (VBHC) que, em uma tradução livre, significaria algo como “cuidado de saúde baseado em valor”. Em resumo, significa que o foco de toda a cadeia passa a ser a jornada do paciente, criando “valor”, buscando o melhor resultado para ele (desfecho clínico, melhor qualidade e experiência), remunerando de forma justa os serviços de saúde e permitindo a sustentabilidade do setor.
Essa procura vem, principalmente, da decadência do modelo de fee for service, até então o mais tradicional de remuneração em saúde no Brasil, que é um dos principais responsáveis pelas dificuldades de sustentabilidade financeira enfrentadas pelo setor, assim como pelos pacientes com aumento, muitas vezes impagável, dos valores de planos de saúde. Tanto pelos altos níveis da inflação da saúde, como pelo cenário econômico agravado pela pandemia, muitas famílias têm abandonado os planos de saúde e recorrido ao sistema público, sobrecarregando ainda mais o SUS que, apesar de um reconhecimento até mesmo internacional de sua relevância, também apresenta limites de atendimento e dificuldades a serem superadas.
Parte da resposta para um cenário complexo como este está nas inovações trazidas pelas healthtechs, principalmente aquelas que contribuem com a atenção primária. Esses novos serviços reforçam o pensamento que há anos vem sendo debatido por atores do setor: o de prevenção e promoção da saúde. Essa capacidade de resposta advém não apenas do escopo e do serviço que prestam, mas também pelo alto potencial de atuar e permitir gerir com bases em dados, com análises preditivas de riscos individuais e gestão populacional.
Os exemplos são muitos: plataformas digitais de gerenciamento de pacientes com doenças crônicas, tecnologias a distância de acompanhamento diagnóstico e psicológico, e até mesmo monitoramento de adesão de tratamento. A própria telemedicina é vista como uma das principais ferramentas capazes de levar agilidade no acesso aos serviços de saúde, contribuindo para que uma menor parte da população demande tratamentos mais complexos, que, consequentemente, são mais caros.
Mas uma ou poucas andorinhas, sozinhas, não fazem verão. Tais iniciativas e soluções ainda carecem de incentivos de acesso e adoção mais efetivos e estruturados, assim como de regulações e políticas públicas de saúde digital que contribuam para favorecer este movimento do setor.
* Cesar Giannotti é sócio e diretor de operações da Nexodata, healthtech de receitas médicas digitais. É formado em Administração e Comércio Exterior e conta com mais de 16 anos de experiência em multinacionais, inclusive na Philips, onde liderou negócios e projetos relacionados à tecnologia e cuidados de saúde.