Diferentes plataformas tecnológicas são importantes para suprir a demanda de vacinas e possibilitar uma utilização sinérgica entre os imunizantes.
O Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) vem realizando pesquisas com abordagens inovadoras para imunizantes contra a dengue e o Zika vírus — três delas já com estudos publicados. Uma, chamada de vacina de subunidade, seria aplicada pela via intradérmica, com fragmentos de uma proteína do vírus que seriam direcionados às células dendríticas. Outra seria uma vacina transcutânea, ou vacinação pela pele, que utiliza adesivos contendo antígenos para estimular o sistema imunológico. E a terceira, uma tecnologia genética que se baseia em uma vacina de DNA, com o objetivo de otimizar a proteção do imunizante.
A vacina de subunidade contra a dengue utiliza a NS1, uma proteína já usada em outros imunizantes estudados e em testes de diagnóstico. No entanto, na abordagem desenvolvida, em colaboração com o grupo da professora Sílvia Boscardin (ICB-USP), a NS1 do vírus da dengue foi guiada especificamente para células do sistema imunológico, as células dendríticas, conhecidas como potentes ativadoras do sistema imunológico. “A estratégia de direcionar as proteínas para as células dendríticas fez com que a resposta de anticorpos anti-NS1 fosse potencializada nos camundongos imunizados e mantida por mais tempo nas amostras de sangue”, conta Lennon Ramos Pereira, doutor em Ciências (Microbiologia) pelo ICB-USP e autor do estudo.
“Os resultados apontaram uma melhora da resposta imune sem que houvesse efeitos colaterais. Além disso, as formulações desenvolvidas, principalmente quando administradas pela via intradérmica, evitaram a produção de anticorpos com potencial de causar danos teciduais, aumentando a segurança do imunizante”, complementa.
Além desse imunizante, Pereira publicou outro estudo sobre uma vacina genética para o vírus Zika, que pode ser adaptada para a dengue. “De forma inédita, desenvolvemos uma vacina de DNA baseada na sequência da proteína NS1 do vírus do Zika fusionada geneticamente à outra proteína viral (glicoproteína D do vírus herpes simples tipo 1), com capacidade de ativar o sistema imunológico. Essa estratégia foi capaz de aumentar a resposta imunológica e dobrar a proteção contra a infecção pelo vírus Zika em animais imunizados. Além disso, a tecnologia é plenamente adaptável para outras doenças.”
Já a publicação sobre a vacina transcutânea, que utilizou o vírus da dengue como antígeno, conseguiu uma eficácia de proteção entre 80% e 100% nos testes com camundongos. “A pele é um órgão imunologicamente ativo, ou seja, é capaz de responder a uma infecção tão bem quanto o tecido intramuscular, local onde as vacinas geralmente são injetadas”, conta o autor do estudo Robert Andreata-Santos, doutor em Ciências e pesquisador colaborador (Microbiologia) pelo ICB-USP. Segundo ele, trata-se de uma técnica promissora para diminuir o déficit vacinal entre pessoas que se recusam a receber vacinas por meio de injeções com agulhas, e que também poderia diminuir os custos com a aquisição dos insumos necessários à sua aplicação intradérmica (ampolas, seringas, agulhas etc.).
Plataformas tecnológicas — Para o professor Luís Carlos de Souza Ferreira, coordenador do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do ICB-USP, onde foram realizados esses estudos, é muito importante ter diferentes plataformas tecnológicas para se alcançar o mesmo objetivo de vacinação. “Isso ajuda a suprir a demanda e possibilita a utilização sinérgica das vacinas”, afirma ele, explicando que essas tecnologias podem ser aplicadas de maneira conjunta, intercalando entre as doses necessárias, a exemplo do que ocorre nas imunizações contra a Covid-19.
Segundo Ferreira, há várias iniciativas no mundo e no Brasil que buscam uma vacina contra a dengue. “A Dengvaxia, da fabricante Sanofi-Pasteur, é a única aprovada em território nacional, mas, por ter baixa eficácia em indivíduos que não tenham sido expostos ao vírus da dengue previamente, vem sendo aplicada apenas em instituições privadas”, conta. Outros imunizantes mais eficazes estão em estágio avançado de desenvolvimento. “As vacinas da fabricante Takeda, a TAK-003, e do Instituto Butantan, em parceria com o NIAID [Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos], já se mostraram bem-sucedidas em testes clínicos e foram submetidas à aprovação da Anvisa.”
Por que é difícil ter uma vacina? — A busca por um imunizante contra a dengue esbarra na variedade de sorotipos. “O vírus causador da doença possui quatro sorotipos — tipo 1, 2, 3 e 4. Isso faz com que o desenvolvimento de um imunizante com alta eficácia seja mais difícil de ser alcançado, pois a vacina necessita conferir ampla proteção contra todos os sorotipos visto que a imunidade parcial contra somente um deles não fornece proteção a longo prazo com relação às outras”, afirma Pereira. “Se hoje vivemos um surto do sorotipo 1, a população que foi infectada com esse sorotipo terá resposta imune contra este para o resto da vida. Entretanto, se o próximo surto for causado por outro sorotipo, não há garantia de proteção”, acrescenta.
Seja lá qual vacina vier primeiro, ela é urgente. A dengue é uma doença infecciosa transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, comum em regiões tropicais. Os principais sintomas notados em pacientes são febre alta, erupções cutâneas e dores musculares e articulares. Nos casos graves, há ocorrência de hemorragias intensas e até choque hemorrágico, que pode levar à morte.
De acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado no dia 16 de maio, a doença apresentou um salto de 40% nas três semanas anteriores à data, passando de cerca de 542 mil para mais de 757 mil infectados. Em comparação, o ano de 2021 inteiro registrou um total de 544 mil casos. O levantamento aponta que houve um crescimento de mais de 150% em comparação ao mesmo período das primeiras 18 semanas do ano passado. Até o momento, foram registrados 265 óbitos por conta do vírus em todo o País.